31 de julho de 2025

as aberturas de PALAVRAS NÓMADAS

24. «Londres ou "o outro lado do espelho"». «Quando se chega a Londres, vinda do Extremo Oriente -- mesmo sendo o dia após o atentado na London Bridge -- invade-nos a estranha sensação de termos passado para o "outro lado do espelho", para um mundo, uma realidade diferente daquela onde mergulha agora o nosso quotidiano lá do outro lado do mundo.» 

23. «A sombra de Lovecraft sobre Providence». «O meu reencontro com Howard Philipps Lovecraft aconteceu em Fevereiro de 2013 quando aproveitei a pausa lectiva motivada pelo início do Ano Novo Chinês (dessa vez o da Serpente) em Macau, para uma semana de investigação nas bibliotecas da Brown.»

22. «Em Istambul, pela mão de Orhan Pamuk». «Istambul é a doçura vermelha de uma romã aberta, a mão de Pamuk a guiar-me pelo labirinto de ruas, o som de uma oração dolente, derramando-se de uma qualquer mesquita, a gotejar serena.»

21. «As encruzilhadas do feminismo -- de Salem ao insustentável peso do ar condicionado». «Participei, há uns anos, na Universidade de Harvard, numa Escola de Verão promovida pelo Instituto de Literatura-Mundo». 

20. «O marido imaginário». «No aeroporto de Kuala Lumpur, o meu olhar procura, em vão, um papel com o meu nome.»

19.«Siem Reap: nas pegadas de Loti, com um tuk-tuk, dois elefantes e uma mariposa». «Dois elefantes ao longe, derramando o peso dos seus passos dolentes no pó do caminho, ao encontro da noite a descer também devagar a sua cortina.»

18. «We no Happy... we go!» «Partimos para Sanya, Hainão, num fim de semana alargado de Dezembro, sonhando com sol, banhos azuis no cálido imaginado Mar da China.»

17. «No dentista com o Pikachu». «Uma ida ao consultório de dentista nunca é uma experiência agradável nem desejada.»

16. «A via crucis da pele». «Há uns bons anos que a minha pele começou a ser abundantemente habitada de numerosos sinais, alguns deles a requererem certa vigilância, já que, resumindo, "sou uma moça com muita pinta".»

15. «Das uniões de facto aos tentáculos burocráticos». «Recordo uma canção da banda "Xutos e Pontapés", já com uns bons anos, intitulada "voar"  que começa assim: "Eu queria ser astronauta / o meu país não deixou".»

14. «Irrealidades oníricas». «Sabem aqueles sonhos em que vamos trabalhar nus ou em camisa de dormir?»

13. «Entre a corrida e a arte da palavra». «Durante anos, no início da década de noventa, quando era aluna de licenciatura, na Universidade de Évora e travessava o jardim (ao qual ironicamente chamávamos Hyde Park), a caminho do edifício do Colégio do Espírito Santo, sonhava estender-me na relva durante horas a ler, a contemplar o céu, em suave sintonia com as nuvens.»

12. «Lou Lim Leoc». «Passamos o portão, entramos num reino de magia.»

11. «No reino das lâmpadas». «Acordarmos de manhã cedo com o pescoço dorido e decidirmos comprar uma almofada mais confortável pode ter consequências verdadeiramente imprevisíveis.»

10. «Dia de São Pedreiro». «O processo de procura de casa em Macau é algo que ultrapassa as fronteiras da mais fértil imaginação.»

9. «A chegada: no dorso do dragão». «Chega-se a Macau, a chamada "Las Vegas do Oriente", depois de 27 horas de viagem, uns emplastros nas costas, curvada devido a fortes dores que começam a habitar o corpo na véspera.»

8. «Macau -- cheiros, sabores e saberes colados à alma». «Vi Macau, pela primeira vez, em Agosto de 1991 -- um prémio de escrita inesperado, quando terminara o primeiro ano da minha licenciatura -- conduziu-me àquele universo, onde tudo era diferente, e, ao mesmo tempo, embrulhado na breve névoa da familiaridade.»

7.  «Em Amherst: no universo de Emily Dickinson». «Uma carícia fria a semear salpicos de branco no rosa-dourado, nos múltiplos tons de castanho das árvores.»

6. «Numa esquadra em Montevideu: entre as paredes do devaneio». «Estamos na esquadra da polícia de Montevideu.»

5. «Pouca sorte com cabeleireiros». «Manhã de luz em Montevideu, um sol de inverno que brilha mas não aquece.»

4. «Da identidade provisória e amarela». «Estou novamente nessa longa fila, numa rua erma, escondida da Cidade Velha, de uma decadência cinzenta a escamotear tempos áureos já quase esquecidos, junto ao edifício das migrações, a destoar do panorama humano que me rodeia.»

3. «O dragão da biblioteca». «Entro agora na biblioteca da Faculdade de Humanidades da Universidade da República Oriental do Uruguai.»

2. «A visitante». «Abro as portas da memória e entro num dia de Março de 2002, uma página de calendário já desbotada, arrancada dos muros escorregadios do tempo.»

1. «Voo para um novo tempo». «Revejo aquele 30 de Novembro de 2001 como uma espécie de retrato a sépia posto em cima da cómoda da memória, as horas atribuladas, a ida de comboio para Lisboa, depois de táxi para o aeroporto.»


Dora Nunes Gago, Palavras Nómadas, Vila Nova de Famalicão, Húmus, 2023.

.../...

30 de julho de 2025

101 poemas portugueses - #70

 

ARRÁBIDA


O vento bate na face
De quem sobe àquela serra.
Vento que por ali erra
Bate na face a quem passe
Perto do cimo da serra.
 
Bate forte, o vento forte,
Chicoteando com força,
Ao vir das bandas do norte,
Chicoteando com força,
Dono da serra e da morte.
 
Consente, vento, que eu passe
Pelo alto desta serra
E não me batas na face
Porque, se mais não bastasse,
Basta eu ser da tua terra.
 
Não grites assim tão forte
Nem te exaltes contra mim,
Porque eu também sou do norte:
Donde tu vens, também vim,
Vento que ventas do norte.
 
Venho ver frei Agostinho;
Trazer ao Frade saudades
Das verdes terras do Minho:
Venho falar de saudades
Com o Poeta Agostinho.
 
Morreu o Sebastião
Que lhe falava, falava,
Das coisas do coração.
E o frade está desolado
Era quase como um irmão!...
 
Ele mora ali em cima
E a conversa não demora.
Venho falar-lhe do Lima,
Venho falar-lhe de Ponte,
E outras coisas que ele ignora.
 
Regresso depois ao Minho,
Vento que sopras do norte
E guardas Frei Agostinho.
Se um dia quiser recados,
Traze-los tu, vento norte?
 
 
Arrábida, 8/3/53
 
 
Júlio Evangelista (Quinta da Formiga, Valença, 1927 - valença, 2005)

in António Mateus Vilhena e Daniel Pires,

A Serra da Arrábida na Poesia Portuguesa

22 de julho de 2025

101 poemas portugueses - #69

 

O ÚLTIMO ADEUS DUM COMBATENTE


Naquela tarde em que eu parti e tu ficaste
sentimos, fundo, os dois a mágoa da saudade.
Por ver-te as lágrimas sangrarem de verdade
sofri na alma um amargor quando choraste.

Ao despedir-me eu trouxe a dor que tu levaste!
Nem só o teu amor me traz a felicidade.
Quando parti foi por amar a Humanidade
Sim! foi por isso que parti e tu ficaste!

Mas se pensares que eu não parti e a mim te deste
será a dor e a tristeza de perder-me
unicamente um pesadelo que tiveste.

Mas se jamais do teu amor posso esquecer-me
e se fui eu aquele a quem tu mais quiseste
que eu conserve em ti a esperança de rever-me!


Vasco Cabral (Farim, Guiné-Bissau, 1926 - Bissau, 2005) ,

in Sophia de Mello Breyner Andresen, Primeiro Livro de Poesia (1991)

18 de julho de 2025

as aberturas de BICHOS

 

14. «Vicente». «Naquela tarde, à hora em que o céu se mostrava mais duro e mais sinistro, Vicente abriu as asas negras e partiu.»

13. «O Senhor Nicolau». «O pai queria fazer dele um homem.»

12. «Miura». «Fez um esforço.»

11. «Farrusco». «Dentro da poça do Lenteiro, há rãs.»

10. «Ramiro». « --Deus nos dê muito bons dias!»

9. «Ladino». «Grande bicho, aquele Ladino, o pardal!»

8. «Cega-Rega». «É difícil.»

7. «Jesus». «Comiam todos o caldo, recolhidos e calados, quando o menino disse:»

6. «Tenório». «Esta é a história verdadeira de Tenório, o galo.»

5. «Bambo». «O filho do caseiro novo é que lhe fez aquilo.»

4. «Morgado». «À ceia, o patrão, com cara de poucos amigos, recusara-lhe as festas desta maneira:»

3. «Madalena». «Queimava.»

2. «Mago». «Mago respirou fundo.»

1. «Nero». «Sentia-se cada vez pior.»


Miguel Torga, Bichos (1940), 19.ª ed, Coimbra, 1995 

16 de julho de 2025

101 poemas portugueses - #68

 

VÓS QUE OCUPAIS A NOSSA TERRA


É preciso não perder

de vista as crianças que brincam:

a cobra preta passeia fardada

à porta das nossas casas.

Derrubam as árvores fruta-pão

para que passemos fome

e vigiam as estradas

receando a fuga do cacau.

A tragédia já a conhecemos:

a cubata incendiada,

o telhado de andala flamejando

e o cheiro do fumo misturando-se

ao cheiro do andu

e ao cheiro da morte.

Nós nos conhecemos e sabemos,

tomamos chá do gabão,

arrancamos a casca do cajueiro.

E vós, apenas desbotadas

máscaras do homem,

apenas esvaziados fantasmas do homem?

Vós que ocupais a nossa terra?


Maria Manuela Margarido (Roça Olímpia, Ilha do Príncipe, 1925 - Lisboa, 2007)

Poetas de S. Tomé e Príncipe (1963) /in Manuel Ferreira,  No Reino de Caliban II (1976)