Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos poisados nas últimas rosas
dos grande e calmos dias de Setembro.
Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?
Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.
Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se recordam os mortos, sem os ferir
sem os trazer a esta espuma negra
onde os corpos e corpos se repetem
parcimoniosamente, no meio de sombras?
Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada olhando as rosas
e tão alheia
que nem dás por mim.
Ana Hatherly, Caminhos da Moderna Poesia Portuguesa, Lisboa, Direcção-Geral do Ensino Primário, 1960, pp. 82-85.
(lido na sessão de 5 de Abril de 2013)
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