4 de março de 2021

O SEMINARISTA

"Eles me pegaram porque dei mole.

Foi assim: eu me preparava para sair de casa para dar uma volta, ver se achava uma pista do Sangue de Boi e, quando peguei a Glock, Kirsten peerguntou:

«Você vai levar essa coisa? Precisa?»

«Está bem», eu disse colocando a pistola de volta no armário de cuecas.

Eu havia acabado de sair do sebo da rua da Quitanda, onde comprara uma edição de poemas de Edna St. Vicent Millay, e caminhava lendo, embevecido, pela Primeiro de Março, quando subitamente colocaram um capuz na minha cabeça e mãos fortes e hábeis me jogaram na mala de um carro. Os caras deviam ser muito audaciosos para fazer uma coisa dessas numa rua de movimento durante o dia. Tudo durou alguns segundos. Senti o carro andando em alta velocidade. Quando parou, me tiraram da mala, mas mantiveram o capuz cobrindo a minha cabeça.

«Anda, dá o serviço», uma voz disse.

«Que serviço?»

«O que foi que o cara cheio de joias te contou?»

«Que cara?»

«O cara que você matou.»

«Quando foi isso?»

«Três meses atrás. Um sujeito cheio de anéis, pulseiras, até brincos.»

«Ah... sei. Ele não me contou nada. Dei um tiro na cabeça dele, um só, como sempre faço, quer dizer, fazia, eu abandonei o métier. Não sei de nada. No dia seguinte nem li os jornais, exatamente para não saber nada sobre o freguês. Esse é o meu modus operandi.»

  


Romance surpreendente, delirante, hilariante, recheado de axiomas e expressões em latim clássico. Leitura ideal para enfrentar estes tempos deprimentes. Até traz a receita do 'Bacalhau à Gomes de Sá' com todos os pormenores, e uma descrição da Batalha de Alcácer Quibir.
A discutir amanhã, dia 5, no Clube de leitura do Museu Ferreira de Castro (via teams) 


as personagens de «O Príncipe»: Leão X


retrato por Rafael