27 de outubro de 2012

de certeza que algo se vai passar...

Pendia a cada passo. Na cara enrugada, a boca distendia-se num riso canalha e os olhos, que nunca fitavam ninguém, pareciam guardar uma névoa que alastrava como se constantemente chorassem lágrimas que nunca caíam [...]

Manuel da Fonseca, «Névoa», Aldeia Nova, 7.ª edição, Lisboa, Editorial Caminho, 1984, p. 81.

(imagem)

26 de outubro de 2012

LIBERDADE, Sophia de Mello Beyner Andresen

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

in Ana Hatherly, Caminhos da Moderna Poesia Portuguesa, Lisboa, Direcção-Geral do Ensino Primário, 1960, p. 41.

(lido na sessão de  de 12 de Outubro de 2012)

25 de outubro de 2012

OS NAVEGADORES, Sophia de Mello Breyner Andresen

Eles habitam entre um mastro e o vento.

Têm as mãos brancas de sal
E os ombros vermelhos de sol.

Os espantados peixes se aproximam
Com olhos de gelatina.

O mar manda florir seus roseirais de espuma.

No oceano infinito
Estão detidos num barco
E o barco tem um destino
Que os astros altos indicam.

in Ana Hatherly, Caminhos da Moderna Poesia Portuguesa, Lisboa, Direcção-Geral do Ensino Primário, 1960, p. 33.

(lido na sessão de  de 12 de Outubro de 2012)

15 de outubro de 2012

ANNO DOMINI 1348

Estive directamente envolvido na (a)parição do Anno Domini 1348 (Prémio Ferreira de Castro / 1989), por razões profissionais. Há mais de vinte anos já...
Releio-o passado todo este temp -- e que bem se porta o livro, que bem ele se aguenta! O que é ainda mais digno de registo, tendo esta sido a primeira obra de ficção publicada por Sérgio Luís de Carvalho, então um jovem medievalista sem nome na ficção, ao contrário do que hoje sucede.

Em três penadas, o que registei no fim desta esplêndida releitura:
1) A história social e mental medieval está presente sem que o historiador surja como um intruso no trabalho do ficcionista. A informação é-nos dada (com fidedignidade, acrescento) currente calamo, afastando a desagradável sensação de ter sido despejada no meio da acção, por didactismo ou excesso de especialização. Não há aqui outro imperativo que não seja o da boa economia narrativa.
2)  O protagonista, João Lourenço, tabelião que realmente existiu em Sintra e foi vitimado pela Peste Negra, como o atesta a documentação da época (três fragmentos são publicados no final, em apêndice), passa a última semana de vida a redigir o testamento, pretexto para uma rememoração do tempo perdido: a infância, a aprendizagem do tabelionado, o amor, os acidentes em que a vida de todos nós é fértil.  É uma personagem com densidade psicológica; interpela Deus, e nesse diálogo evidencia-se uma moderna (e propositadamente anacrónica) consciência de individualidade -- como será moderna a consciência da humanidade do Outro que se verifica em relação aos judeus. A propósito, o episódio da judiaria de Sintra é um dos momentos do livro, que nunca baixa o patamar elevado em que o autor soube colocar a narrativa.
3) Sendo um romance, no que respeita à bibliografia sintrense, Anno Domini 1348 é uma obra que nela fundamente se inscreve. Não é impunemente que se recria o passado de um modo tão contemporâneo.

Transcrevo parte da crítica de Daniel Bermond, na revista Lire de Novembro de 2003 (Le Bestiaire Inachevé, na tradução francesa), que encontrei no sítio do escritor: «Transparece destas páginas fortes uma gravidade que sustenta a graça de um língua que poderia se a adas orações e dos salmos. Uma pequena obra-prima de uma austeridade sumptuosa.»

13 de outubro de 2012

"Atentai no dragão."*



Fresco de San Pietro al Monte, Civate, séc. XI.
(imagem)

* Sérgio Luís de Carvalho, Anno Domini 1348, Sintra, Câmara Municipal, 1990.

9 de outubro de 2012

5 de outubro de 2012

Diderot, 299

Denis Diderot nasceu em Langres, na Champagne, em 5 de Outubro de 1713.