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5 de janeiro de 2024

os nossos livros

 Por aqui, não se lê apenas, escreve-se de diferentes maneiras. . Por isso, o que já deveria ter sido feito, acontece agora. Publicita-se os nossos livros (se não fromos nós...), agora na coluna da direita. Creio que não falta ninguém...














8 de outubro de 2021

NOTAS SIMPLES SOBRE "RUA DA AMARGURA", DE FERNANDO FARIA

Rua da Amargura, de subtítulo “Episódios de uma comarca de província”, é constituído por nove narrativas decorrentes de experiências do autor durante o período em que, nos anos oitenta do século XX, desempenhou funções de delegado do Procurador da República na comarca de Figueiró dos Vinhos.

A transposição ficcional dá como espaço de acção Vilar de Prantos, topónimo que se ajusta ao espírito da matéria narrada, tendo em conta a vida miserável de algumas personagens, os episódios de violência e os suicídios cometidos nas diferentes histórias (ao todo, quatro!), embora haja nelas, por vezes, um acento de picaresco e trágico-cómico.

Na diversidade do narrado, há figuras que aparecendo em várias ou todas as histórias reforçam a unidade dos textos já por si subordinados ao denominador comum de «episódios de comarca» : o funcionário judicial Gonçalves, o médico Dr. Teófilo Assunção, o cabo da GNR Secundino Dias e, naturalmente, Feliciano Feijó, cujos nomes são formados com as mesmas iniciais dos nomes do autor, Fernando Faria.

Quem esperar destas narrativas um desenvolvimento literário na tradição dos vultos da modernidade habitualmente citados – Allan Poe, Kafka, Borges, etc. – pode desiludir-se. Fernando Faria escreve nos moldes de um realismo focado nos estratos sociais mais desfavorecidos, com situações e personagens típicas, mas ultrapassando o mero memorialismo ou o testemunho chão com apontamentos de valor artístico como este do conto “A barragem da Feitosa (Cesaltina)”:

 

«Afastado, um pouco, do parapeito mágico e, consequentemente, liberto do síndrome vertiginoso, Feliciano pôde apreciar a jusante da barragem o fundo desfiladeiro cavado pelo rio ao longo de milénios, de cujas margens calcárias brotavam carvalhos e medronheiros, os quais, à distância, dir-se-ia não passarem de simples arbustos. A água, terminado o cativeiro da represa e vencida a provação das turbinas, retomara o trilho no velho leito e deslizava já, álacre como uma escolopendra, abrindo caminhos por entre arbustos e calhaus brancos.»  p. 70.

 

De salientar as múltiplas referências técnicas ao trabalho do delegado, o qual até chega a funcionar como uma espécie de Juiz de Paz (conto “Rua da Amargura (Gertrudes)”), promovendo a concórdia entre os esposos e tentando evitar, em relação ao filho, o abandono escolar e o trabalho infantil. Igualmente os processos de investigação dos pequenos crimes – o porco roubado em “Só ficaram os ossos… (Pencas)” – e aspectos de medicina legal – cremos poder chamar-lhes assim –, nas considerações feitas em “O homem pênsil (Serafim)” – um título perfeito! – relativamente às várias possibilidades do «aspecto do enforcado»:

 

«(…) expressão serena ou terrífica?; olhos abertos ou fechados?; língua projectada ou mantida entre os maxilares?; cabeça decaída para o peito ou tombada para um dos lados (dependendo da posição do laço)?; maior ou menor profundidade do sulco causado pela corda na cerviz?; presença ou ausência de protuberância nas calças, indiciadora de erecção peniana? Havia casos, explicados pela neurologia.» p. 86

 

Estamos – como desde logo fica exposto na nota introdutória –, perante um conjunto de ficções de pendor autobiográfico, mostrando na sua vertente testemunhal a pobreza existente no interior- centro do país num período já marcado pela consolidação do regime democrático. Como Feliciano Feijó de imediato verificou, não iria encontrar naquela vilória pastores da Arcádia, nem Lianores descalças a caminho da fonte, nem sequer moleirinhas, toc, toc, toc, sobre os seus jumentinhos, como nos versos de Guerra Junqueiro. A realidade era outra!

Diga-se que a Igreja e a Política– normalmente presentes em histórias de província através de personagens determinantes como o padre e o regedor  – estão ausentes deste livro. Tudo se passa no seio do povo e dos agentes da Justiça, havendo entre estes grande lisura e cooperação, situação talvez idílica, mas que foi a adoptada pelo autor na sua estratégia narrativa.    

Feliciano Feijó não fala muito da sua vida pessoal, sabendo-se apenas que está familiarmente acompanhado e que tem dois filhos de dois e quatro anos que são deixados diariamente no infantário. Situação comovente, aquela da separação imposta aos pequenos em cada dia de trabalho dos progenitores, já sentida em algum momento por todos os que são pais e até, em contexto mais adiantado, quando arribam à condição de avós.

Outro ponto digno de nota: o facto de a cada título de história se associar o nome do protagonista, revelador do cunho pessoal das narrativas, da dimensão humanista que as enforma.

Para além disto – e abreviando, para não roubar muito tempo aos visitantes do blogue – , cumpre dizer que se sente neste livro a grande alegria de narrar. Alegria antiga, vinda dos poemas homéricos, das Mil e Uma Noites e de obras imortais como o Decameron.

Que seria do homem sem narrativas? Ouvir ou ler o que é narrado é um imperativo de sobrevivência. Pelo poder da narrativa se salvou Sherazade da morte anunciada, também por via dele resistiram Pimpinea e os seus jovens amigos e amigas ante a peste que grassou em Florença no ano de 1348, tal como nos relata a ficção admirável de Boccaccio.  

Todos nos salvamos um pouco quando escrevemos ou lemos ficções. E  especialmente nós, leitores, quando estamos perante livros, como este Rua da Amargura, que se lêem com simpatia e agrado.    

 

7 de agosto de 2021

Revisitando TERRA MÃE

Acabei, mais uma vez, com agrado, a leitura de Terra Mãe de Fernando Faria, dando razão à profecia de Ricardo Alves, citada na contracapa desta segunda edição, revista e ampliada.
Além do que já conhecíamos, as histórias sobre os avós do autor vieram enriquecê-lo, e neles descobrimos uma comoção latente que contagia e, como todo o livro, desperta lembranças.
Se não leu, é dos livros a não perder; se leu, vá redescobrir as suas memórias e delicie-se com os novos pedaços sentidos de prosa.

15 de julho de 2020

RUA da AMARGURA


Venho dar a conhecer aos colaboradores e visitantes d'A CURVA DOS LIVROS o meu último trabalho, esperando que a pandemia que há 5 meses praticamente nos mantém isolados uns dos outros, não tarde a desvanecer-se, permitindo uma apresentação formal e ao vivo.

Fernando Faria


 

2 de março de 2019


4º CENTENÁRIO DA MORTE DE FREI AGOSTINHO DA CRUZ





A pedido do coordenador das celebrações comemorativas do 4º Centenário da Morte do Poeta Frei Agostinho da Cruz, que se cumpre no próximo dia 14 do corrente, aqui fica o convite.

Todos serão bem-vindos. Esta parte do programa decorrerá em Setúbal.

Posso desde já adiantar que no âmbito das celebrações se realizará um colóquio em Sintra, no dia 8 de Junho próximo futuro, com intervenção de especialistas na obra do poeta e de mim próprio.                                                                                                                                                Oportunamente publicarei o convite. 


F. Faria

10 de janeiro de 2017

TERRA MÃE, de Fernando Faria

Sou da infância como se é de um país -- escreveu o grande Saint-Exupéry, que cito de memória. Um país distante, de que permanecem, nos mais afortunados, as reminiscências da descoberta da vida e do mundo, na presença rediviva dos que nos foram (nos são) queridos.
Este Terra Mãe, que traz o subtítulo Crónicas da Idade Menor, faz-nos participar dessa revelação jubilosa dos primeiros anos, ainda no conforto da segurança (e da disciplina) familiar. É, no conjunto, um relato na primeira pessoa da vida aldeã de lavradores humildes de Maceira, Leiria, saborosíssimos quadros contados com sabedoria,  aprumo  e instinto literários. E refiro-me expressamente a esse aprumo e a esse instinto, pois trata-se de um livro inicial de alguém que, por profissão, lidou durante anos com a linguagem árida dos códigos do Direito. Nada dessa sintaxe obscura nem dessa semântica labiríntica perpassa por aqui; antes um fio de água pura, uma singeleza que não é simplória ou desprovida de humor. Das pequenas transgressões aos medos infantis, umas e outros tomando proporções gigantescas ao palmo-e-meio que o narrador nos deu a conhecer em pouco mais de centena e meia de páginas; o fascínio diante dos oficiais de vários ofícios, de práticas ancestrais (a aldeia portuguesa da década de 1950 permanece, em muitas situações, num contexto de Antigo Regime [não confundir, por favor, com alusões ao Estado Novo!...]); as evocações impressivas da marginalidade, assumida ou forçada, dos pedintes, dos bêbados, dos deficientes mentais; o gozo das prendas da Natureza, a estesia dum nascer do Sol, o impacte do primeiro avistamento do mar, o universo bem delimitado da floresta, com os seus segredos e zonas de sombra; o convívio com pais, avós e demais família que connosco é partilhado. 
Dum ponto de vista mais utilitário, registe-se ainda a fonte que um livro como este é para quem, historiador ou antropólogo, se debruce sobre a vida rural duma aldeia da Estremadura em meados do século XX, facilitado pelo extremo rigor com que são mencionados artefactos, práticas culturais e espécimes animais e vegetais, na sua relação com o homem e no uso que deles se faz, ou fazia.
Crónicas de outro mundo, outro tempo, outro país, escritas por quem, sendo deste mundo, tempo e país logrará, disso estou certo, projectá-los no futuro, já que um livro como este tem um destino marcado, invejável destino: ser periodicamente revisitado ao longo dos tempos, como repositório de património imaterial da comunidade de que se originou.
(também aqui)

14 de novembro de 2016

TERRA MÃE de Fernando Faria

Acabei a leitura: talvez cedo de mais, por não ter conseguido ir parando.
Se ler pode ser considerado um vício, o que acaba de me acontecer pode servir de exemplo; mas como se diz a um guloso refinado que pare de mastigar, quando se lhe coloca na mesa manjar de requinte?
Comecei a anotar textos para colocar aqui, como citações, mas acabei por selecionar tanta coisa que, concluí, mais vale ler o livro.
Só a lista dos capítulos tem mérito por si própria.
Desisti: não vou transcrever nada, mas não resisto a realçar a Ode de Outono e O Choro do Poço.
Se gosta de prosa que canta e que, apesar da perfeição rigorosa, desperta sensibilidade e nostalgia, e aviva a saudade, com ternura; em que o rigor e o pormenor da observação incentivam a risada solta e a lágrima espremida pelo sentir; onde a honestidade é omnipresente, a alma se adivinha, a vida aparece como sua; então leia: leia, saboreie e reviva, ou imagine apenas.
O título Terra Mãe chegou a ser escolha para aventura pessoal: perfeito para um livro, este, que eu gostaria de ter escrito e assinado.
Felicito-o mais uma vez, Fernando.

2 de julho de 2015

um parágrafo de O NOVIÇO


«O lume nunca se extinguia de todo na lareira, o que fazia com que da chaminé da cozinha escapasse perenemente para a atmosfera um farrapo de fumo, qual minúsculo e já roto lábaro, assinalando ao longe, perdido na serra, o pequeno eremitério. Mesmo durante a noite havia sempre um tição aceso na favila: sendo preciso amornar um púcaro de água ou atear o pavio de uma vela, bastava soprar na cinza e logo uma centelha sorria.»

Fernando Faria, O Noviço, Lisboa, By The Book, 2015, p. 94 -- em debate no Clube de Leitura do Museu Ferreira de Castro, amanhã, 3 de Julho, pelas 18 horas.

23 de abril de 2015

OS PREZADOS CONFRADES DO CLUBE DE LEITURA ESTÃO TODOS CONVIDADOS!



Breve síntese do livro:

"No dia 3 de Maio de 1560, perante uma pequena multidão de fiéis e com a assistência das mais altas figuras da realeza, foi inaugurado na Serra de Sintra, numa cerimónia de comedida solenidade, o convento arrábido de Santa Cruz ou da Cortiça.
Entre a meia-dúzia de futuros ocupantes do novo ermitério, edificado por entre enormes fragas no coração daquele que é conhecido desde a antiguidade como o Monte da Lua, achava-se um jovem poeta, de auspicioso futuro: chamava-se Agostinho Pimenta, fora educado para fidalgo e ficaria na História como frei Agostinho da Cruz.
Alicerçado em (escassos) dados históricos, este romance, para além de propor à imaginação do leitor o que pode ter sido a fundação, inauguração e primeiro ano de vida fradesca no agora arruinado Convento dos Capuchos de Sintra, constitui uma reflexão acerca da pureza do ideal monástico."

Abraço "tertuliano"!

Fernando Faria

12 de abril de 2015



APRESENTO-VOS "O NOVIÇO", O MEU NOVO LIVRO!

Um excerto:

"Chegara o Inverno. Precoce. Chuvoso. Sombrio. Havia muito que na serra se apagara o colorido radioso das longas tardes estivais. Da sépia dos melancólicos crepúsculos de Outono quase nem sinais houvera. Em matéria de cores [ou falta delas], o que agora se via era um persistente tom de cinza, feito de brumas e neblinas, que embaciava os penhascos, ocultando-os dias e semanas a fio, como se tivessem sido abandonados ou esquecidos dos deuses. Num lento e silencioso processo de declínio, as folhas dos carvalhos e dos castanheiros da cerca, de verdes haviam-se tornado amarelas, depois vermelhas e finalmente castanho-escuras, acabando por se desprender uma a uma, num nostálgico ritual de despedida. Mortas, apodrecem agora lentamente no chão, em redor dos troncos negros, prontas para o sacrifício da química transformação e do inevitável ao seio da mãe-terra, para um novo ciclo. Com um pouco de sorte, talvez um dia, numa nova e futura Primavera, voltem a ser, outra vez, quem sabe, folhas verdes ou tenras hastes."

(Fernando Faria)

18 de julho de 2014

EXCERTO DO FUTURÍVEL "O ASCETA"

Aos domingos e dias de preceito o átrio das cruzes perdia um pouco do seu ar desolado e animava-se com o afluxo dos fiéis que chegavam das aldeias mais próximas para assistir à missa conventual ou ser ouvidos em confissão. Alguns traziam víveres para os monges, coisas simples e parcas, como pão de centeio, peixe seco, algum cabaz de frutas, uma ou duas onças de sal, um molho de nabiças, uma púcara de azeitonas, meia dúzia de queijinhos de cabra, um selamim de feijão. Por vezes, quando achava que a quantidade das dádivas excedia as necessidades imediatas do convento - a regra impunha que não se armazenasse mais do que o necessário para três dias - o guardião recusava com delicadeza, e alguns camponeses regressavam a casa com o alforge só parcialmente aliviado."

(F. Faria)

8 de julho de 2014

"memórias de uma estranha primavera"

Testemunho romanceado da vida de seminarista que o autor conheceu na juventude. A meu ver, a leitura fará mais sentido encarada como relato memorialístico do que como ficção, apesar de existirem elementos ficcionais (e até de fantástico, como um viajante no tempo sob o qual a narrativa se estrutura). O subtítulo, Memórias de uma Estranha Primavera, é, aliás, bastante claro.  
Um aspecto interessante do livro é o da não coincidência com outros textos de temática idêntica sobre a vida nos seminários, habitualmente mais negros. Não que o trauma não esteja presente -- nada mais natural num universo disciplinador vivido durante a adolescência; porém, a narrativa é destituída dos episódios escabrosos que à partida aguardamos, quando se trata de seminários ou internatos. (Preconceito, ou sorte de quem viveu esta história concreta?) Há passagens particularmente interessantes, entre as quais destaco as que giram em torno do afastamento da casa e da família, das saudades lancinantes, que afloram como a mais dolorosa provação de Filinto, ou seja, o autor. 
Fernando Faria,  As Viagens de Filinto, Lisboa, Chiado Editora, 2013