Caro José,
Afinal ainda consigo
escrever-te antes dos feriados. Sobre espiritismo, fenómenos mediúnicos, etc.,
transcrevo parte de uma entrada do diário de José Régio (estudava naquele tempo em Coimbra, tinha 23 anos):
«Coimbra, 4 de Novembro
de 1924
– Tenho passado noites horríveis.
Assisti (e colaborei) a algumas sessões de espiritismo, entre
rapazes. O que a eles passou quase indiferente perturbou-me a mim em excesso.
Invocámos numa delas o espírito de António Nobre, que disse querer dirigir-se a
mim. Transcrevo algumas perguntas:
Eu – Tens alguma coisa a dizer-me?
– Só.
– Que queres tu dizer?
referes-te a mim, ou a ti?
– A ti.
– Sabes porque gosto
tanto de ti?
– Só.
– Queres dizer que sou
como tu?
– Sim.
(…)
– Qual é a poesia do
teu livro que preferes?
– Todas.
– Qual é o poeta do teu
tempo que mais amaste?
– Eu.
– Quem mora agora na
Torre de Anto?
– Eu
etc.
Como se vê, são respostas dignas do meu Príncipe. Este
interrogatório chocou-me até às lágrimas. Deixei de assistir a estas sessões,
porque elas me perturbavam extraordinariamente:
Tive pesadelos e terrores nocturnos (…)»*
Pela minha parte, imaginava
um espírito de António Nobre loquaz, no género de “Lusitânia no Bairro Latino”
e “Males de Anto”, mas afinal não...
Votos de bom
fim-de-semana e até à próxima.
M.
Já não me lembrava dessa passagem do diário; mas, por falar em espiritismo, o Ferreira de Castro, em 1917 (19 anos) escrevia assim, em Belém do Pará, sobre as sessões espíritas, então muito na moda.:
ResponderEliminar«Hoje a vontade de ser esotérico passou; e “ranzinza” no meu materialismo, parecem-me frioleiras as palestras que sobre este assunto mantêm […] no Pará-Chic. Parecem-me frioleiras e ainda o ano passado escutava-as atencioso. Ah! Ah! Ah!»
Abraço
R.
Parece que a literatura retrata alguns desses episódios... Permitam que junte a Carta que Fernando Pessoa escreveu à Tia Anica, em 24 de junho de 1916: http://arquivopessoa.net/textos/531
ResponderEliminarUma faceta pessoana muito pouco conhecida. Abraços.
É a do espelho? Obrigado.
EliminarSim, é a do espelho, e também da escrita automática mediúnica. De escrita automática, aprecio sobretudo a dos surrealistas... O Eça tem um texto engraçado sobre espiritismo nas "Notas Contemporâneas". Se puder vá lá ver, é de 1893.
EliminarO "anónimo" destes 2 comentários sou eu mesmo, M. Nunes :)
EliminarObrigado, caro!
EliminarIdem - ahahah!
EliminarAzar do José Régio; azar do Ferreira de Castro; azar nosso, leitores. Se eles tivessem estado nas sessõezinhas organizadas por um curioso analítico (que não pretendia vender gato por lebre a ninguém), com amigos que mal sabiam ao que iam, numa terrinha pequena, há alguns anos, teriam escrito relatos objetivos muito mais eloquentes sobre a matéria, e todos nós, leitores, estaríamos mais confortavelmente predispostos... embora, pelo que pode deduzir-se, eles, os escritores, pouco soubessem sobre o assunto.
ResponderEliminarO fenómeno existe: garanto. O grupo das explicações admissíveis é outra questão.
Bem hajam pela partilha e pelo espevitar de ideias e memórias.
J. A. Marcos Serra
Caro, não tenho grandes dúvidas de que o fenómeno existe, esse e outros; no entanto, não lhe atribuo nenhuma causa sobrenatural, antes fenómenos físicos (ponha aí "energias", se quiser) que ainda não dominamos. Nada, portanto, que abale a minha descrença no divino que não seja de origem humana: Bach, Haendel, Mozart, Beethoven, Schubert, Tchaikovsky...) Parabéns pelo sacana do livros, que não o consegui laragr. Até o levei para a praia... Abraço
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