CULTURA ITALIANA: PIRANDELLO E OS CONFLITOS DO EU
O Clube de Leitura de Sintra debateu em de Maio a obra e a representação literária de Pirandello (1867-1936). As linhas de força deste verista são: a solidão, o absurdo da existência, o mistério da personalidade. Lembrei nesta ocasião a proximidade ‘familiar’ desta poética a três outras: Giacomo Leopardi (1798-1837), Antero e Pessoa. Os conflitos do Eu e da Existência têm caracter dominante e percursos únicos e vários nas Obras destes escritores.
A profundidade destas interrogações seja num discurso pessoal seja num percurso ontológico vai diferenciar as três poéticas embora com referentes simbólicos comuns: a Dor física e a sua libertação pela morte como a propõe Leopardi ou o Antero no Ciclo do Elogio da Morte.; por outro lado a solidão, as máscaras, a multiplicação do Eu, a despersonalização, os percursos do Não-Ser até ao Ser único e absoluto, aproximam-nos de Pessoa e do próprio Pirandello.
Dá-se o caso de eu amar a cultura italiana. Dá-se a circunstância de eu ter participado no evento: ‘ E naufragar me é doce neste mar: Leopardi na Madeira’ que assinalou o bicentenário do nascimento deste importantíssimo poeta italiano. Nessa ocasião, isto é, em 1999, depois da leitura dos Canti escrevi para Pádua e disse que o nosso Camões possui terríveis afinidades com o poeta de Recanati. Disse: ‘de facto, o nosso épico, que muito bebe nos académicos de Florença, reflete na Canção IX, da minha especial predileção, e nos sonetos, problemáticas semelhantes ao caso do poeta italiano’.
Observei a feliz coincidência das relações de cultura entre os dois povos. Subtis mas perenes, impercetíveis mas resistentes e plásticas como as qualidades das suas respetivas línguas. Fossem essas relações diplomáticas ou comerciais de antiquíssimo registo desde a remota Génova e da poderosa Veneza de Quinhentos; fossem literárias ou artísticas com a deslocação de pintores e suas escolas, de arquitetos e de escultores; fossem musicais e até científicas: a organização dos nossos gabinetes de História Natural, o recorte dos nossos jardins botânicos desde o renascentista ao barroco.
São lentos mas de sábia lentidão os processos criativos na teia que reúne os povos. Contudo, o universo das palavras, o ser das palavras domina as poéticas neste fascínio em busca do cerne da poesia; incessante desvendar do outro para a compreensão de nós-mesmos. Agora, na busca da essencialidade também num refazer de linguagens plásticas que ultrapassam a própria razão e vai mais longe que Descartes: para existirmos não basta nos pensarmos. Parafraseando a essencialidade de Clarice Lispector direi que existimos quando nos vemos ao espelho. Se nos movemos na busca do outro, deslocando os eixos culturais do mundo, atualizando Quinhentos, é por que já desanuviamos a nossa aura. E nos confirmamos como europeus.