CONDENAÇÃO? MISSÃO?
Largam-me,
na Terra, como farrapo em sangue,
Condenado
a morrer, tão só por ter nascido.
Clamo,
grito; no primeiro hausto, protesto…
E
sem respeito algum, apenas sorrisos satisfeitos.
Como
ousam?! Não veem quanto sofro,
Saído
de uma asfixia martirizante,
Para
um mundo glacial que não desejo?
Que
cobardia! Que egoísmo atroz!
Não
sou coisa; queria ser nada, mas sou gente.
Onde
está o meu livre-arbítrio que apregoam?
Onde
as leis e decretos que arquitectam a bel-prazer?
Rasguem-nos;
queimem-nos; não os quero agora:
Para
quê agora, se me condenaram antes?
Cínicos!
Mil vezes e hediondamente cínicos.
A
lei única, com justiça, era a exigência de ser ouvido…
Quando
alguém decidiu que queria um filho,
Alguém
me questionou se eu queria pais?
Não,
sabichões, não me trapaceiem; não se enganem,
Nem
me venham com a dádiva da vida,
Porque
não passa de um preâmbulo fútil para a morte.
Grito
de novo, e mais sorrisos: «o fedelho tem bofes!»
Ah!
Se eu pudesse, partia já…
Condenado
a morrer, porque condenado a viver.
Nu.
Só
Engordam-me;
criam-me; educam-me; moldam-me.
«Há
de fazer-se um homem!»
Atafulham-me
de regras, sabichonices,
tiradas pomposas,
Ambições,
roteiros e caminhos, experiências alheias,
Fitos,
habilidades, competições, mil sugestões repetidas…
E
quando fizeram de mim um boneco de fantocheiro,
Disseram-me
que era livre e estava pronto a ganhar a vida.
Mas
a vida?! Mas não foi isso que me impuseram,
Quando
me expeliram, num espasmo?!
“Eis
o homem”! Oferecido como escravo, ao mercado, à engrenagem.
Para
a vida que não quis, vendo pedaços de vida.
«Tens
de comer, beber, vestir-te, abrigar-te, ganhares conforto
E…
e… prevenir para a doença.»
Doença…
sim, porque a vida, na bandeja dourada,
É
afinal um livro corroído por traças persistentes.
“Se
isto é um homem.”
Terá
sido este o pecado em que Adão foi engodado?
Mas
os frutos de Eva são frutos da mesma morte.
Ah
Deus! Ah Criador, porque misturas no homem instinto e razão?
Que
faço, agora, comigo, enquanto a gadanha não aparece,
Envolta
em trapos hediondos, para tentar assustar-me?
Recuso
sacrificar mais nascituros ao holocausto:
Basta!
Não mais reses para a matança.
E
amar: amar estes tontos que se aturdem
Na
vaidade de máscaras de eternidade.
Ajudar:
ajudar perguntando sempre,
Implorando
ao juízo o que a tontaria escamoteia.
Apontar
a Terra, Água e Céu, inquirindo, duro:
Que
fazeis, loucos, que vos devorais em orgia?
E
se houver um só que escute e pense,
Terei
deixado melhor o universo que encontrei,
E
na hora em que Ela baixar a espada sobre mim,
Possa
sorrir, em desafio, mas duvidando:
“Tudo
vale a pena, se a alma não é pequena”.
Depois,
aniquilo-me na chama que consome e purifica.
Nu.
Só.
O Homem, a Vida, o Universo... Só interrogações. Só dúvidas...
ResponderEliminarMas o homem do seu poema não tem dúvidas: simplesmente não gosta do que vê nem da forma como o tratam! Lá terá as suas razões!
Parabéns pelo poema, Zé Serra!
Um Junqueiro meets Régio?
ResponderEliminarVisões que a idade permite...
ResponderEliminarMuito bom!!!
ResponderEliminar