Quando na década de 70 do século XX iniciei a aventura da
escrita confrontei-me com a Poesia Experimental. O tempo era de
experimentações. Os artistas foram e são intérpretes e motores das mais
diversas tendências culturais. Poetas como Melo
e Castro, Salete Tavares, António
Aragão ou Herberto Helder
desempenharam bem, os seus papéis. A sua gramática poética era variável. Alternava
entre a desconstrução dos textos, a fragmentação e os espaçamentos, e as artes gráficas e colagens.
Igualmente se pretendia uma interacção com públicos/leitores obviamente activos
e participantes.
Os actos performativos de hoje, as instalações e as montagens
em vídeo , são uma presença da Poesia
Experimental no quotidiano. O nosso movimento pelas cidades, por exemplo, compõe-se de leituras
múltiplas e decisões hábeis. Num virar de página constante quando lemos,
utilizamos, ou transformamos os objectos que as povoam.
A própria publicidade
reinventa e muito o texto citadino. Por isso, para compreendermos o quotidiano
e os seus fenómenos foi e é importante o trabalho poético dos
experimentalistas. Essa função poética aproxima-nos da realidade. Neste
contexto há uma poetisa que me parece paradigmática: chama-se Ana Hatherly. Tem uma poética
avassaladora de entusiasmos, trabalho persistente, possibilidades de leituras,
e reinvenções na arte de comunicar.
A Ruptura é uma
intervenção da poetisa. Esta vestida de operária sobe e desce um escadote com o
objectivo de cortar em altura a tela representada por um plano de papel pardo. A
Ruptura tem uma mensagem forte.
Forte mas actual. A necessidade de romper com preconceitos culturais. E assim
nos implicamos na construção da sociedade e da arte com responsabilidade. Como
poema visual é notável. Observamos o movimento
corporal, a expressão fisionómica em esforço e gradual cansaço; os ritmos
ora brandos ora violentos; as sonoridades e as reacções dos observadores. É poema total. Até pela valorização não elitista
da função do artista e a democratização do trabalho intelectual.
Ana Hatherly, possivelmente, influenciou os textos que publiquei em 76 na Exposição de Livre Poesia, no átrio da
Câmara Municipal funchalense. Depois, em 77, os da antologia Da Ilha Que Somos. Sendo uma
trabalhadora incansável da palavra é simultaneamente uma inovadora da lírica
portuguesa. É, igualmente, uma crítica da cultura e mentalidade portuguesas. O
tecido dos textos dispersos e as inúmeras tisanas
que criou são habitados não só pelo humor mas também pela sátira, e pela
mordacidade. A 4ª variação do poema Leonorana
é experimentada a partir do conhecido
vilancete de Camões descalça vai para
a fonte/Leonor pela verdura/Vai formosa
e não segura. A autora construiu 31
variações. Nesta temos a particularidade
de encontrar uma leitura simétrica,
do conhecido poema camoniano.
Camarada Lau: Apreciei o texto e as experiências relatadas, achando que o experimentalismo vem e vai, por ciclos. Experimentalistas foram os dadaístas, os futuristas, os surrealistas, enquanto o visualismo poético vem já do Barroco, período histórico-literário estudado pela A. Hatherly. Não esquecer os poemas "Manucure" e "Apoteose" de Mário de Sá-Carneiro ou os caligramas de Apollinaire. O Almada Negreiros também teve a sua sessão performativa em que se vestiu de operário. :)
ResponderEliminarFernando Guimarães, em "A poesia contemporânea portuguesa" (final dos anos 50 aos anos 90), parece não dedicar grande atenção ao assunto. Se calhar vi mal, ou há outros textos. Tu dirás.
Boa malha, Laurindo, queremos mais!
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