O poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:
Abaixo o mistério da poesia.
ANTÓNIO GEDEÃO, "Abaixo o Mistério da Poesia"
Por mim, escrevo a prosa dos meus versos
E fico contente, (...)
ALBERTO CAEIRO, O Guardador de Rebanhos, XXVIII
O GRITO DE DIGNA PARDO ANTE A QUEDA MORTAL
DE SEU AMO JUVENAL URBINO*
Foi às quatro horas e sete minutos da
tarde de Domingo
de Pentecostes, pairavam nos ramos
altos da mangueira
as línguas flamejantes do divino
Paracleto. O calor prenunciava
a chuva, o mar rumorejava dentro de
todos os búzios.
O papagaio palrava insídias e uma
escada romba preparava-se
para escrever uma página da história
da infelicidade.
Nem sequer teve tempo de encomendar a
alma: o corpo
desprendeu-se da árvore como um fruto podre
lançado ao solo em súbita demolição de
músculos e ossos,
e nenhum anjo-da-guarda saiu dos catecismos para lhe aparar
a queda. O grito da criada, Digna
Pardo de seu nome, trespassou
de pânico as cúpulas de ouro da
cidade velha, os pássaros
calaram-se, enquanto Deus,
indiferente ao destino dos homens,
sorria de ócio e tédio na sombra roxa
da sua eternidade.
* Digna Pardo e Juvenal Urbino
são personagens de Gabriel García Márquez em O Amor nos Tempos da Cólera
Excelentes excertos.
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Bravíssimo!
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