18 de fevereiro de 2019

Beldemónio e Bel-Adam (e Zola)

«Dans la pleine rase, sous la nuit sans étoiles, d'une obscutité et d'une épaisseur d'encre, un homme suivait seul la grande route de Marchiennes à Montsou, dix kilomètres de pavé coupant tout droit les champs de betteraves. Émile Zola, Germinal (1885)

«Na planície rasa, sob a noite sem estrelas, de uma escuridão crassa de tinta, um homem seguia sozinho a estrada de Marchiennes a Montsou, dez quilómetros de caminho a direito, por entre campos de beterrabas.» Tradução de Beldemónio (Eduardo Barros Lobo, 1885)

«Na planície rasa, por uma noite escura, sem estrelas, um homem seguia sozinho a estrada real de Marchiennes a Montsou, dez quilómetros de caminho a direito, através os campos de beterraba.» Tradução de Bel-Adam (Severino de Carvalho, 1903)

«Devant lui, il ne voyait même pas le sol noir, et il n'avait la sensacion de l'immense horizon plat que par les souffles du vent de mars, des raffales larges comme sur une mer, glacées d'avoir balayé des lieues de marais et de terres nues.»

«Adiante do nariz não via nem sequer o chão negro; e não tinha a sensação do imenso horizonte plano senão pelos bafos do vento de Março, rajadas largas como no mar alto, glaciais de terem varrido léguas e léguas de pântanos e de terras escalvadas.» (Beldemónio)

«Não via sequer o chão negro, e do imenso horizonte chato só tinha a sensação pelos corpos rijos do vento de Março, rajadas largas como no mar, glaciais de terem varrido léguas e léguas de pântanos e terrenos escalvados.» (Bel-Adam)

«Aucune ombre d'arbre ne tachait le ciel,  le pavé se déroulait avec la rectitude d'une jetée, au milieu de l'embrun aveuglant des ténèbres.»

«Nem sombra de árvore manchava o céu; a estrada desenrolava-se com a prumada de um quebra-mar, em meio das trevas obcecantes» (Beldemónio)

«Nem sombra de árvore manchava a atmosfera; a estrada desenvolvia-se com a planeza dum quebra-mar, no meio da cerração obcecante das trevas.» (Bel-Adam) 

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4 comentários:

  1. Muitíssimo interessante. Parabéns pela pesquisa partilhada.
    De algum modo, tinha razão o Padre Pedro, meu professor: «Traduzir é trair».
    E, já agora, vou acicatar a Biblioteca da minha Manteigas.

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  2. Muitas vezes a tradução trai o original. Mas, independentemente disso, parece-me que fica provado que traduzir (bem) um romance (ou um poema) é quase escrever outro romance ou outro poema; o bom tradutor tem que ser também um bom escritor. Cada tradução pode tornar-se uma "versão"...
    E isso, quanto a mim nada tem de mal, desde que não se excedam certos limites. Se o leitor quiser provar do original tem a possibilidade de o fazer.

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    1. Sim, deve, pelo menos, ter um domínio da língua impecável e uma sensibilidade estética e competência que o torna apto a realizar uma tradução literária. Mais difícil ainda, parece-me, é a tradução da poesia; aí tem de ser-se também um poeta, e mesmo assim...

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