Manuel Matos Nunes (MMN) revelou-se como poeta. De sua autoria vieram a lume os Cadernos do Verão (Abril , 2021), sob a chancela da On y va. Os seus textos deixaram assim o mundo virtual da sua formação como objecto na imaginação do autor. De facto, constituem-se como obra pela sua coerência e na medida em que poemas e referências se interligam e se tornam indispensáveis.
Constituem-na 3 secções antecedidas de uma epígrafe que serve de linha de leitura e que é uma écfrasis nocional. A primeira é designada por Delírios Ecfrásticos e o poeta explora a linguagem ecfrástica em várias situações pois procede à representação verbal de uma representação visual. Usa com frequência a referencialidade genérica na medida em que são observadas outras características para além da representação pura, como, por exemplo a personalidade, Fui Narciso nos auto-retratos , pintor/de mineiros e camponeses(...), Van Gogh na noite estrelada sobre o Ródano (pg 37). Poema deslocada para outra secção por decisão do autor.
Quanto à segunda secção Figurações do Incomum ela revela uma das causas da Poesia: a representação do incompreensível, do imaterial e do absurdo em todos os poemas e que são de certo modo uma das linhas de conduta do livro, e perante a admiração geral das instituições,/abandonou tudo, partindo não se sabe para onde/em demanda de um peixe fóssil, o coelacanto. (KZ,funcionário das Finanças) pg.27.
Quanto à terceira secção que nomeia a obra o autor partilha uma série de emoções e experiências vividas em várias geografias e situações sendo de assinalar a oscilação da forma , de ritmos e cor que fazem deste um livro de imagens. Gostei particularmente de A agressiva razão do vazio, pela amargura: saber que já não se senta ninguém/no sofá da sala, onde os livros/se acomodam hoje. pg. 60. Livro de poesia promissor no qual MMN revela a sua Cultura que nos tem transmitido ao longo dos anos e a sua imensa febre de conhecimento em busca de perfeição.
Um belo livro. Aplaudo com as mãos ambas!
ResponderEliminarObrigado, Laurindo, pela leitura e pelo belo texto. A imagem é surpreendente, o Pessoa escondido atrás do modesto livro!
ResponderEliminar:)
Abraço.
De nada Manuel, foi com muito gosto que o fiz. Contudo, o texto é uma gota de água no oceano. O teu livro merece e tem conteúdos para uma leitura mais atenta e cuidadosa. Se o R incluir o teu livro, o que espero, nos próximos anos aí podemos desenvolver as nossas ideias. Grande abraço, L.
EliminarParabéns ao Manuel Nunes! Ser poeta é ser mais alto...
ResponderEliminarIrisalva
ResponderEliminarSaiu de casa à hora do desassossego dos pássaros,
quando abalavam para os campos as quadrilhas
das mondas e os criados corriam as ruas desertas
no serviço dos amos. Uma rosa de pano
adornava-lhe, num fingimento álacre,
a cinta do vestido. Levava a mala
vazia de sonho e na pele uma saudade do amor.
A manhã era uma sombra, um desafio,
uma promessa ínvia: ela conhecia como ninguém
o fragor da distância, o remorso lívido do corpo,
o gume vivaz da vida por cumprir.
Desapareceu, era já noite, num vórtice de árvores
e searas murchas, o silêncio da planície
cortado pelo grito rouco da automotora.
(Manuel Matos Nunes, Cadernos de Verão, pg. 25)