1 de julho de 2021

ENCHARCAR-SE DE ORVALHO...

 "O primeiro alvor da madrugada na janela do escritório, um começo de luz apenas, ainda por fixar no contorno do mundo. Como a mulher se tivesse recusado a deixá-lo entrar no quarto, passara ali a noite, encolhido no meiple de couro, com a samarra pelas pernas. Não conseguira adormecer, mas alcançara do excesso das palavras e do álcool um pouco de repouso. No entanto, doía-lhe a cabeça. A boca seca, amarga. Levantar-se e abrir a janela. Uma golada de água, a pureza fria da madrugada. A cinza da luz amontoava-se nas vidraças, mas não era possível prever se o dia chegaria ou não. Quando começava a clarear um pouco mais, a lufada de sombra varria a cinza da janela. Um desejo irreprimível de cheirar os campos molhados. Beber água, passar os dedos na casca rugosa dum pinheiro, encharcar-se de orvalho. Atravessou a casa adormecida, abriu a porta com cuidado e saiu."


(Carlos de Oliveira nasceu em 10 de Agosto de 1921 e faleceu em 1 de Julho de 1981, faz hoje 40 anos)

1 comentário:

  1. Em antegozo da sessão de logo à tarde...
    E bem lembrada a efeméride!

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