6 de julho de 2021

CADERNOS DE SANTIAGO II

Com edição da Âncora saiu em Abril de 2021 o volume II de Cadernos de Santiago, colectânea de poetas da Madeira com objectivos que apontam  para a sua eventual  extensão a autores da região biogeográfica da Macaronésia, constituída para além da Madeira pelos arquipélagos dos Açores, Canárias e Cabo Verde.

JOSÉ LAURINDO LEAL DE GÓIS, nosso colega do Clube de Leitura, participa no volume com dez poemas sob o título Águas, Memórias.

                O conjunto poemático articula-se entre as águas do tempo e a magoada voz da memória, desde um primeiro poema, “Cabeça sobre a Relva” – que é uma arte poética no vero sentido da expressão – , até  “Lembras-te Brígida Amada,” em que o conteúdo da predicação se estabelece como súmula temática do conjunto.

Rasgadas as águas do tempo, é a infância e a juventude do predicador que afloram na matéria dos poemas. «Evocação inatingível do eterno», diz-se em “águas, memórias”, poema que dá título à participação do poeta na colectânea.

 Poemas do «tempo derramado», ou do «tempo transfigurado», do «rumor das águas» no seu incessante labor de descobrir o sentido último do que se perdeu – a praia, agora «virtual», despojada do ouro das areias; a «ânfora quebrada de água cristalina»; a casa, esse «navio de sensações» que vem «do tempo ingénuo da infância». Algumas das expressões citadas pertencem a “Tempo derramado”, poema de uma única estrofe de cinco versos em que irrompe a figura matricial da casa – a casa a que sempre se volta, se não fisicamente, pela via possível da memória.

Centrando-nos no derradeiro poema – “Lembras-te Brígida Amada,” –, diríamos que ele surpreende pela serena dolência da predicação («Embora esteja sol lá fora eu não o sinto»), pela adjectivação inesperada («lua maneirista»), pela estilística da contradição («sonhos de ouro e lama»),  pela quase-metáfora do «tanque» e das «trutas» que, de resto, surge igualmente no poema “Raras luzes”. Para além do mais, é uma canção de amor na sua exacta definição. E porque falamos de amor e de um poeta madeirense, é impossível não recordar a trágica lenda da descoberta mítica da Ilha de Madeira – os amantes Ana d´Arfet e Roberto Machim –, tal como é narrada na Epanáfora Amorosa  III, de D. Francisco Manuel de Melo.

A poesia de hoje, como a de sempre, faz-se de sedimentos da tradição oral e escrita,  e muito do que aí está nestes segundos Cadernos de Santiago  bem o demonstra.


NOTA: JOSÉ LAURINDO LEAL DE GÓIS interveio igualmente no volume Cadernos de Santiago I (Âncora Editores, Maio de 2016) com um conjunto de doze poemas intitulado A Penas Poemas.

 

 

4 comentários:

  1. Olá Manuel, acabei de ler o teu comentário. Está excelente. Com serenidade e transparência fizeste um estudo da minha poesia. Estou de facto ali inteiro nas tuas palavras. Agradeço-te, por isso. E, também por dares relevo à publicação em geral. Um abraço solidário.

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  2. Esplêndido. parabéns ao Laurindo e também ao Manuel. E isto deu-me uma nova ideia: a de retomar-mos a leitura de poemas no final de cada sessão, desta feita, com os poetas da casa, que são alguns. Que dizem?...

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  3. Belo poema! Que forma original (que eu saiba) de versejar. Quase me faz lembrar o Alberto Caeiro.
    Parabéns ao poeta Laurindo Góis!
    Excelente também a análise do nosso especialista.

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  4. Embora eu seja mais poetastro que poeta, venha lá poesia para nos levar a ver o mundo e os seus ocupantes, melhores do que eles são.
    Parabéns Laurindo; bem hajas, Manuel.

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