4 de abril de 2022

Sobre O Sentido do Fim, de Julian Barnes.

Tive o primeiro contacto com a escrita de Julian Barnes em 1990 com A História do mundo em 10 capítulos e ½  e continuei depois a ler muitas das suas obras. Reli agora O Sentido do Fim num ápiceGostei das frases curtas, do humor algo cínico, da narrativa muitas vezes desconcertante e provocadora que nos faz pensar em nós próprios - interessa-me quando o escritor nos leva a essa viagem interior e de algum modo nos assusta. Levanta muitas questões sem resposta ou resposta difícil - as melhores questões. Não é um livro de leitura confortável.
O papel da memória na História ( com h grande ) e na nossa história ( com h pequeno ) é fulcral. A questão do envelhecimento e da importância do que não nos lembramos  também é relevante. Será que somos o que pensamos ser ? Que memórias construímos mais perto do fim ? Numa entrevista ao jornal Público, Barnes falou do que a memória faz com o tempo e o que tempo faz à memória.  E como lidar com o facto de não podermos mudar o passado e qual a nossa responsabilidade nele Na primeira página do livro encontramos ( é a minha tradução porque li o original, não sei as palavras exatas da tradução portuguesa): “o que acabamos por recordar, nem sempre é o que testemunhámos “ e na última página o livro termina com, “ Há acumulação. Há responsabilidade. E para além destas, há inquietação. Há uma grande inquietação ”. O que nos transporta à descrição deliciosa  das aulas de História no inicio “o facto de que necessitamos de saber a história do historiador para compreender a versão que nos é dada “ e do professor cujo “sistema de controle dependia em manter um grau suficiente mas não excessivo de tédio “.
 
O afastamento do sentir, algum desprezo pelas  emoções ( dito tão British) para evitar o sofrimento é também muito presente; achei magníficos os exemplos de quando o Tony recebe a noticia do suicídio de Finn e o pai lhe diz que lamenta e ele diverge para a calvície do pai e se seria hereditária. Ou das memórias de quando Tony acaba a relação com Verónica e acaba por se focar na cor e no perfil sorridente da rainha na lata das bolachas. Ou quando se sabe quem é a mãe do filho de Finn e a narrativa passa para o sal nos diferentes tipos de batatas fritas. No fundo evitar ser magoado, não ganhar nem perder e chamar a isso capacidade de sobrevivência. A questão da “soma versus multiplicação” ao longo da vida, se o carácter se desenvolve com o tempo como nas novelas.
 
Barnes insinua esta pergunta muitas vezespreferiam amar menos e sofrer menos ou amar mais e sofrer mais? Mas será que afinal podemos fazer essa escolha conscientemente? Outra pergunta sem resposta .
 
Agora que estou " em repouso " com chá de limão e mel, está ao meu lado O Homem do Casaco Vermelhoo último livro de Julian Barnes em que o protagonista é um médico ginecologista na Belle Époque em Paris.
 

Saudações a todos e até Maio.


Zélia Mugli

1 comentário:

  1. Excelente a sua leitura do JB, Zélia!
    Apenas lhe acrescentaria a falsa citação do fictício historiador francês: "A História é essa certeza que se produz no ponto em que as imperfeições da memória se cruzam com as insuficiências da documentação". Magistral!

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