25 de setembro de 2025

RELEITURAS EM FÉRIAS 2

 


Visitar (ou re-revisitar) Burgos sem esquadrinhar a sua catedral, por fora e por dentro, sempre na expetativa de descobrir mais um pormenor que escapara, é como ir à Capela Sistina... e esquecer-se de levantar os olhos para o teto.
E os que têm gosto por História não se livram da compulsão de tentar dar sentido a tudo e encher de informação os principais relevos, recantos e dimensões.
É este modo de sentir que me reconduziu a mão para o livro do escritor e professor de História Medieval, José Luís Corral, O NÚMERO DE DEUS, que nos envolve nos tempos em que a catedral começa a elevar-se aos céus, até atingir toda a sua beleza grandiosa, numa competição sadia com as de Chartres, Leon, Paris... e menos sadia entre alguns homens.
Interessante pela história, atraente pelo romance, ganhei por ter relido com gosto, além do que recordei e aprendi.
Fica a partilha e o desafio.

15 de setembro de 2025

as aberturas de PALAVRAS NÓMADAS

25. «Da metamorfose das papoilas à identidade mediterrânica». «Cruzamos as estradas da Toscana, rumo a San Gimigniano, Sienna e às Terras do Chianti.»

24. «Londres ou "o outro lado do espelho"». «Quando se chega a Londres, vinda do Extremo Oriente -- mesmo sendo o dia após o atentado na London Bridge -- invade-nos a estranha sensação de termos passado para o "outro lado do espelho", para um mundo, uma realidade diferente daquela onde mergulha agora o nosso quotidiano lá do outro lado do mundo.» 

23. «A sombra de Lovecraft sobre Providence». «O meu reencontro com Howard Philipps Lovecraft aconteceu em Fevereiro de 2013 quando aproveitei a pausa lectiva motivada pelo início do Ano Novo Chinês (dessa vez o da Serpente) em Macau, para uma semana de investigação nas bibliotecas da Brown.»

22. «Em Istambul, pela mão de Orhan Pamuk». «Istambul é a doçura vermelha de uma romã aberta, a mão de Pamuk a guiar-me pelo labirinto de ruas, o som de uma oração dolente, derramando-se de uma qualquer mesquita, a gotejar serena.»

21. «As encruzilhadas do feminismo -- de Salem ao insustentável peso do ar condicionado». «Participei, há uns anos, na Universidade de Harvard, numa Escola de Verão promovida pelo Instituto de Literatura-Mundo». 

20. «O marido imaginário». «No aeroporto de Kuala Lumpur, o meu olhar procura, em vão, um papel com o meu nome.»

19.«Siem Reap: nas pegadas de Loti, com um tuk-tuk, dois elefantes e uma mariposa». «Dois elefantes ao longe, derramando o peso dos seus passos dolentes no pó do caminho, ao encontro da noite a descer também devagar a sua cortina.»

18. «We no Happy... we go!» «Partimos para Sanya, Hainão, num fim de semana alargado de Dezembro, sonhando com sol, banhos azuis no cálido imaginado Mar da China.»

17. «No dentista com o Pikachu». «Uma ida ao consultório de dentista nunca é uma experiência agradável nem desejada.»

16. «A via crucis da pele». «Há uns bons anos que a minha pele começou a ser abundantemente habitada de numerosos sinais, alguns deles a requererem certa vigilância, já que, resumindo, "sou uma moça com muita pinta".»

15. «Das uniões de facto aos tentáculos burocráticos». «Recordo uma canção da banda "Xutos e Pontapés", já com uns bons anos, intitulada "voar"  que começa assim: "Eu queria ser astronauta / o meu país não deixou".»

14. «Irrealidades oníricas». «Sabem aqueles sonhos em que vamos trabalhar nus ou em camisa de dormir?»

13. «Entre a corrida e a arte da palavra». «Durante anos, no início da década de noventa, quando era aluna de licenciatura, na Universidade de Évora e travessava o jardim (ao qual ironicamente chamávamos Hyde Park), a caminho do edifício do Colégio do Espírito Santo, sonhava estender-me na relva durante horas a ler, a contemplar o céu, em suave sintonia com as nuvens.»

12. «Lou Lim Leoc». «Passamos o portão, entramos num reino de magia.»

11. «No reino das lâmpadas». «Acordarmos de manhã cedo com o pescoço dorido e decidirmos comprar uma almofada mais confortável pode ter consequências verdadeiramente imprevisíveis.»

10. «Dia de São Pedreiro». «O processo de procura de casa em Macau é algo que ultrapassa as fronteiras da mais fértil imaginação.»

9. «A chegada: no dorso do dragão». «Chega-se a Macau, a chamada "Las Vegas do Oriente", depois de 27 horas de viagem, uns emplastros nas costas, curvada devido a fortes dores que começam a habitar o corpo na véspera.»

8. «Macau -- cheiros, sabores e saberes colados à alma». «Vi Macau, pela primeira vez, em Agosto de 1991 -- um prémio de escrita inesperado, quando terminara o primeiro ano da minha licenciatura -- conduziu-me àquele universo, onde tudo era diferente, e, ao mesmo tempo, embrulhado na breve névoa da familiaridade.»

7.  «Em Amherst: no universo de Emily Dickinson». «Uma carícia fria a semear salpicos de branco no rosa-dourado, nos múltiplos tons de castanho das árvores.»

6. «Numa esquadra em Montevideu: entre as paredes do devaneio». «Estamos na esquadra da polícia de Montevideu.»

5. «Pouca sorte com cabeleireiros». «Manhã de luz em Montevideu, um sol de inverno que brilha mas não aquece.»

4. «Da identidade provisória e amarela». «Estou novamente nessa longa fila, numa rua erma, escondida da Cidade Velha, de uma decadência cinzenta a escamotear tempos áureos já quase esquecidos, junto ao edifício das migrações, a destoar do panorama humano que me rodeia.»

3. «O dragão da biblioteca». «Entro agora na biblioteca da Faculdade de Humanidades da Universidade da República Oriental do Uruguai.»

2. «A visitante». «Abro as portas da memória e entro num dia de Março de 2002, uma página de calendário já desbotada, arrancada dos muros escorregadios do tempo.»

1. «Voo para um novo tempo». «Revejo aquele 30 de Novembro de 2001 como uma espécie de retrato a sépia posto em cima da cómoda da memória, as horas atribuladas, a ida de comboio para Lisboa, depois de táxi para o aeroporto.»


Dora Nunes Gago, Palavras Nómadas, Vila Nova de Famalicão, Húmus, 2023.

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14 de setembro de 2025

RELEITURAS EM FÉRIAS 1

 

Tempo mais livre que o habitual e estante menos disponível à vista, levaram-me a reler obras que tinham permanecido no arquivo da memória.
Vá lá saber-se porquê, comecei com OH JERUSALÉM, de Dominique Lapierre e Larry Collins.
História pura e pormenorizada, abrangendo os anos de 1947 e 48, ajuda a entender toda a evolução da relação entre o novo estado de Israel e todos os seus vizinhos, imediatos ou próximos.
E talvez, desesperadamente, a concluir que, se algo humano, e consequentemente transitório, é eterno, será o conflito a que assistimos.
E, sob a névoa do tempo e do esquecimento, quem são os responsáveis reais, que se mantêm alheados, como se não tivessem sido eles a acender a faísca do desastre e do ódio.
Não me alongo; recomendo vivamente a quem o tema interesse.

9 de setembro de 2025

as aberturas de CONTOS BÁRBAROS

3. «Os figos de pau». «O tio António Chapeleiro -- assim chamado, porque a sogra, falecida havia muitos anos, fabricava de sua mão chapéus de palha centeia e os vendia nas feiras --, era um velhote rijo e conservado como trave de castanho cortado em boa lua.»

2. «Milagre». «Nesse Inverno, de tanto chover, as estradas ficaram esbeiçadas.»

1. «A Velha das Panelas». «Debaixo do grande carrego dos púcaros, tão grande, que tapava o sol, a velha sacudia os pés nus sem tropeção, pós-catrapós, à flor das pedras, em caminhos que se estiravam desde a Candelária, subindo e descendo montes, preguiçosamente, até o campo da feira.»

João de Araújo Correia, Contos Bárbaros [1939], 8.ª ed., Lisboa, Âncora Editora, 2023.

8 de setembro de 2025

as aberturas de FLORES AO TELEFONE

1. «Flores ao telefone». «A mulher pegou no auscultador subitamente vivo, ser-objecto preto e luzidio, às vezes repugnante quando vomitava coisas sujas de que ela não gostava, embora as devorasse, esfomeada, pegou-lhe e disse numa voz ausente, demasiado fria, voluntariamente fria, que estava, sim, que era ela, sim.»


Maria Judite de Carvalho, Flores ao Telefone (1968), Obras Completas III, Coimbra, Minotauro, 2024.

7 de setembro de 2025

o início de O PRÍNCIPE COM ORELHAS DE BURRO

«Era de uma vez, no reino da Traslândia, um casal que não tinha filhos.» José Régio, O Príncipe com Orelhas de Burro [1942], 6.ª ed., Porto, Brasília Editora, 1978, p. 7.