19 de novembro de 2018

da escrita romanesca

«Ler a descrição que Tolstoi faz de como Pedro olha para o campo de batalha de Borodino do alto de uma colina, em Guerra e Paz, tornou-se para mim um modelo de como ler um romance. Muitos dos pormenores de que percebemos que o romance é subtilmente tecido e para os quais fomos preparados, sentindo que temos necessidade deles para os encaixar na nossa memória enquanto lemos, parecem surgir nessa cena como um quadro.» Orhan Pamuk, O Romancista Ingénuo e o Sentimental [2010], trad. Álvaro Manuel Machado, Lisboa, Editorial Presença, 2012, p. 12.

Eu diria que será sempre falhado, ou pobre, pelo menos, um romance sem esses pormenores que o escritor vai largando ao longo da narrativa, e que vão dando sentido e compondo o todo -- tecido, escreve o Pamuk, como uma tapeçaria.
Nas nossas leituras, basta pensarmos em A Lã e a Neve, do Ferreira de Castro, exemplo conseguido desse saber-fazer, dessa boa oficina romanesca.

2 comentários:

  1. Interessante em A Lã e a Neve é a dimensão “programática” dos dois primeiros capítulos. Neles, o leitor fica a conhecer o que, para o protagonista, está em jogo: a continuação da vida sem futuro no pastoreio ou a evolução para a indústria, uma outra forma de sujeição, desconhecida, mas onde seria possível, talvez, abrir caminho para o seu grande sonho: a casa. As pressões para o casamento e o pacto da mãe com o credor Valadares toldaram-lhe o sonho, e tudo a partir de aí se torna mais difícil. Acho que a arte de prender o leitor de um romance também reside nesta forma de, logo de início, se deixarem claros os dados da questão em desenvolvimento. Ferreira de Castro fá-lo com admirável perícia.
    Quanto ao tema da casa, é digno de ser trabalhado – se é que não foi já – por quem seja capaz de o agarrar.

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    1. Caro Manuel, sem dúvida, e você seria quem o poderia fazer, não só pela sua qualidade como leitor, como pelo 'background' regiano (perdoe-se-me o anglicismo).

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