A CORRENTE
Lá vão as folhas secas na corrente...
Lá vão as folhas soltas das ramadas...
Hastes envelhecidas e quebradas
galgando as asperezas da vertente.
A cheia arrasa os frutos e a semente,
a terra inculta, as várzeas fecundadas,
e vai perder-se, ao longe, nas quebradas,
numa fúria cruel e inconsciente.
Em nós ainda é mais funda, ainda é mais vasta,
esta ansiedade enorme e sem perdão,
que nos fere, nos tolhe e nos devasta...
As árvores desprendem-se e lá vão...
Mas nós ficamos porque nada arrasta
as raízes fiéis dum coração.
Fernanda de Castro (Lisboa, 1900-1994)
Jardim (1928)
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