Deixo aqui o poema de António Gedeão (1906-1997) lido
na última sessão do clube: “Carta aberta”, desse livrinho cuja capa se apresenta
na foto. Edição do autor, comprei-o em 67 ou 68 na Livraria Sá da Costa, de
Lisboa. Ainda há restos da etiqueta da livraria e apresenta, escrito a lápis, o
preço fabuloso de 25 escudos.
O poema – uma “arte poética”, isto é,
conjunto de prescrições para o fazer poético – foi concebido em oitavas de
verso livre com rima. A primeira oitava de esquema ABABCDCD e a segunda ABBACDDC. Sendo hoje domingo, não fica mal falar-se destas coisas... E, como parece recomendar um nosso colega nos seus comentários, sede felizes, felizes... com a poesia 😉
CARTA ABERTA
Um homem progride, blindado e hirsuto
como um porco-espinho.
É o poeta no seu reduto
abrindo caminho.
Abrindo caminho com passos serenos
e clava na mão,
que as noites são grandes e os dias
pequenos
nesta criação.
Esmagando as boninas, os cravos e os
lírios,
cortando as carótidas às aves
canoras.
Chegaram as horas
de acender os círios,
de velar as ninfas no estreito
caixão,
de enterrar as frases e as vozes incautas,
de oferecer a Lua para os astronautas
e as rosas fragantes à destilação.