Miguel Torga, Bichos (1940), 19.ª ed, Coimbra, 1995
Blog do Clube de Leitura do Museu Ferreira de Castro
Miguel Torga, Bichos (1940), 19.ª ed, Coimbra, 1995
Dora Nunes Gago, Palavras Nómadas, Vila Nova de Famalicão, Húmus, 2023.
.../...
Trindade Coelho, Os Meus Amores [1891], Mem Martins, Publicações Europa-América, s.d.
As giestas voltaram a florir. Regressaram os maios.
Pela cidade (nova) em flor correm os mensageiros dos maios novos. Dos maios que prometem. Nas cartas de flores um carimbo de urgente. Ao pescoço uma mensagem. Um cordão. Um cordão de flores ( frescas) de maio.flores de giesta ( amarelinha). E as pessoas. Coisas e animais cheiram a maios diferentes. Maios que prometem. Que sorriem. Ao pescoço das crianças e dos velhos uma mensagem. Um cordão. Pelas estradas do meu país muitos cordões de maio.as giestasvoltaram a florir.regressaram os maios.
Maios, in Ilha, poesia 2000, Funchal 1975
Poema de minha autoria cuja forma original não consegui reproduzir integralmente. Não consegui fotografar. Contudo, interessa-me, no dia de hoje de enorme significado em todas as culturas, e, de um modo muito especial com conteúdos mistico profanos na Ilha em que nasci, por celebrar-se tb a procissão do Voto, desde o sec XV, promessa da edilidade funchalense a S Teago Menor, para livrar a cidade da peste negra, interessa-me dizia-me particularmente a mensagem. Quanto a conteúdos literários deverá ser lido em várias dimensões inclusivé a motivação. O motivo são as crianças paupérrimas na berma das estradas que no dia de hoje, infalivelmente, ofereciam cordões de giestas a quem passava nos seus faustosos automóveis recreando-se em dia tão ameno.
NOCTURNO DE LISBOA
Pela noite adiante, com a morte na algibeira,
cada homem procura um rio para dormir,
e com os pés na lua ou num grão de areia
enrola-se no sono que lhe quer fugir.
Cada sonho morre às mãos doutro sonho.
Dez-réis de amor foram gastos a esperar.
O céu que nos promete um anjo bêbado
é um colchão sujo num quinto andar.
Eugénio de Andrade (Póvoa de Atalaia, Fundão, 1923 - Porto, 2005)
Os Amantes sem Dinheiro (1950)
CÉU DE SAUDADES
No céu unido dos dias como o de hoje
Que há neles que se afasta e foge?
Que é este cinzento das lousas do meu Douro
Que só encontro nas asas dos pombos bravos
Que distância me acena como leve mão de afagos
Daquela Mãe para quem eu era o seu menino de ouro.
Joaquim Gomes Mota (Tabuaço, 1922 - Estoril, 1992)
Pássaro Azul (1993)
Colecção que tem como principal coordenadora a nossa colega Ana Cristina Carvalho, o volumes respeitante ao Ribatejo e à Estremadura será apresentado no Museu do Neo-Realismo, em Vila Franca de Xira, no próximo sábado, pelas 16 horas.
QUATRO
(Em memória do grande Amigo
Joaquim Manuel Maia de Jesus)
A rosa vermelha última a que te prendeste
A rosa vermelha nas mãos duma menina
Aquela maçã que tu deste e não comeste
E nestes quatro versos está a tua sina
Partiu-se a lua num quarto desesperado
E entrou louca pelo quatro vidros do hospital
Quatro homens levaram teu corpo gelado
E a menina escondeu duas mãos no avental
Ali na encruzilhada de todos os ventos
Tristes contando às ondas tão triste nova
Braços de pinheiros bravos foram lamentos
À rosa dos ventos lendo a verdade toda
Só aquela cadela que corria ao luar
Anda a uivar pelos caminhos a tua morte
São quatro patas pelo chão a caminhar
Arrastando a raiva humana da tua sorte.
Matilde Rosa Araújo (Lisboa, 1921-2010),
As Folhas de Poesia Távola Redonda
(edição de António Manuel Couto Viana, 1988)
NATAL DE POBRES
Quando a mulher adormeceu
naquela noite de Natal,
o homem foi, pé ante pé,
pôr um sapato (dela, não seu)
com um embrulho de jornal
na lareirinha da chaminé.
Um casal pobre... um ano mau...
Era um pedaço de bacalhau.
Ora alta noite, pela janela,
com fome e frio, entrou um gato
que, no escuro, cheirando aquela
comida boa no sapato,
rasgou o embrulho, comeu, comeu
e, quente e farto, adormeceu.
De manhã cedo, ela acordou,
foi à cozinha e viu o gatinho
adormecido no seu sapato.
Voltando ao quarto, feliz, falou
para o seu homem: -- Meu amorzinho,
como soubeste que eu queria um gato?
Leonel Neves (Faro, 1921 - Odiáxere, Lagos, 1996),
O Menino e as Estrelas (1979)
«Aprendi com o povo e com a vida, sou um escritor e não um literato, em verdade sou um obá -- em língua iorubá da Bahia obá significa ministro, velho, sábio: sábio da sabedoria do povo.»
Jorge Amado, Navegação de Cabotagem (1992)
- em Internet Archive, ficheiros MP3 (aceder, em download options selecionar VBR MP3, clicar no botão de descarga 20 files e aguardar até ao fim); com esta opção, pode escutar os ficheiros posteriormente, a partir do seu computador ou outro aparelho;
- em Spotify, em corrente / streaming (escuta on-line a partir de qualquer dispositivo, como um podcast comum).
Para quem prefira esta via, dispõe ainda das seguintes alternativas:
- a Internet Archive (que disponibiliza as duas possibilidades);
- a Apple Podcasts;
- a Listen Notes;
- a Ivoox;
- a Rephonic.
- a Audiofiction
- a Radio.pt
O audiolivro é fruto de um projeto no âmbito da ACTIS - Universidade Sénior de Sintra, e graças à gentileza dos estúdios da RCS - Rádio Clube de Sintra, dedicado a si.
Use sem reservas e partilhe com pessoas a quem possa interessar.
LUSITÃNIA
Cada poema
cada desenho
são os marinheiros que navegaram na minha cama
são uma revolução não só gritada na rua
são uma flor nascendo nos campos
e é o luar e a sua magia
e é a morte que não me quer
e é UMA MULHER
surpreendente como um marinheiro
luminosa como a palavra REVOLUÇÃO
tão natural como o malmequer
tão metafísica como o luar
tão desejada como a morte hoje
A MINHA MÃE
infinita e profunda
como o mar.
Artur do Cruzeiro Seixas (Amadora, 1920 - Lisboa, 2020)
Obra Poética I (2002)
«A Beleza como dever, a coragem como único caminho para o futuro.»
Rui Chafes, «O perfume das buganvílias», Entre o Céu e a Terra (2012)
Sophia de Mello Breyner Andresen, Contos Exemplares [1962], 4.ª ed., Lisboa, Portugália, s.d.
O SONHO SEM DESTINO
Se os caminhos são breves
e os dias tão compridos,
e as tuas mãos mais leves
que a espuma dos vestidos;
se é de ti que me ondeia
uma brisa subtil...
E a vaga diz: -- Sereia!
E o sonho diz: -- Abril!
Se cresces e dominas
os campos que acalento,
e inundas as colinas
de fontes que eu invento;
se tens na luz dos olhos
o misterioso apelo
das cidades de fogo,
das cidades de gelo;
se podes bem guardar
na tua mão fechada
o meu altivo Tudo
e o meu imenso Nada;
se cabe nos meus braços
a bruma que tu és,
e em algas e sargaços
te abraço nas marés;
se, puro, na presença
da nossa grande Casa,
pões na voz de horizonte
um lume de asa e brasa.
Não sei porque te sonho
na sombra matinal,
e ao meu lado te vejo,
real e irreal.
Sabeis -- adaga fria,
que ao meu peito cintilas --
onde se oculta o dia
das aragens tranquilas?
Se tudo sabes, mata
com dedos de oiro fino,
ou com gume de prata,
o sonho sem destino!
Natércia Freire (Benavente, 1919 - Lisboa, 2004)
Anel de Sete Pedras (1952 /
/ in Ana Hatherly, Caminhos da Moderna Poesia Portuguesa (1960)
«Eu, muito simplesmente, emagrecia porque as nuvens que me alimentavam andavam cada dia mais escassas.»
Félix Cucurull, «Carta de despedida», Antologia do Conto Moderno; trad. Manuel de Seabra
FESTA ALEGÓRICA
«É impossível que certas flores sejam filhas das grosseiras plantas de que brotam.»
Fialho de Almeida, O País das Uvas (1893)
«Acabou a festa; é como se acabasse um clarão intenso, e deixasse o rosto apenas alumiado da luz ordinária.»
Machado de Assis, «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884)
POEMA DA VOZ QUE ESCUTA
Chamam-me lá em baixo.
São as coisas que não puderam decorar-me:
As que ficaram a mirar-me longamente
E não acreditaram;
As que sem coração, no relâmpago do grito,
Não poderam colher-me.
Chamam-me lá em baixo,
Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,
Onde a multidão formiga
Sem saber nadar.
Chamam-me lá em baixo
Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante
E transparente e desgraçado e vil
Quando a noite vem, criança distraída,
Que debilmente apaga os traços brancos
Deste quadro negro -- a Vida.
Chamam-me lá em baixo:
Voz de coisas, voz de luta.
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta.
Março de 1939
Políbio Gomes dos Santos (Ansião, 1911-1939)
A Voz que Escuta (1944)
SONETO
Eu tenho a pagar 10 e na carteira
Apenas tenho 8. Eis a arrelia.
Eis-me buscando em mente uma maneira
De pagar o que devo em demasia.
E fico às vezes nisto todo o dia,
Um dia inteirinho em estúpida canseira.
Se busco distrair-me, de vigia,
Olha-me a rir a dívida grosseira.
E entretanto na rua vão passando
Carros de luxo, altivos salpicando
O lodaçal dos trilhos sobre mim...
E sinto, na revolta, o algarismo,
Do trono do brutal capitalismo,
A rir de nós, os bobos do festim!
Rui de Noronha (Lourenço Marques [Maputo], 1906-1943),
in Manuel Ferreira, No Reino de Caliban III (1996)