7 de janeiro de 2015

entre o céu e a terra

O livro reúne duas duas intervenções do escultor, reflectindo sobre a Arte em geral, e a sua em particular. E executa-o com grande profundidade e uma solidez de escrita que encarreira os textos para a categoria de obras literárias, que irrefutavelmente (também) são.
Em «A história da minha vida», Chafes concebe um escultor nascido na Francónia medieval do século XIII e que, sem limitações de ou tempo de espaço, deambula entre o Norte e o Sul da Europa ao longo de mais de meio milénio, trabalhando e aprendendo com os mestres de cada época -- dos artistas das catedrais  francesas aos pré-românticos alemães. Trata-se de uma autobiografia estética, em que as inquietações e os desígnios de Chafes enquanto artista são equacionados. Como exercício estético, associo-o a Orlando, romance de Virginia Woolf e a A Arca Russa, filme de Alexander Sokurov.
O segundo texto, «O perfume das buganvíleas» é constituído por 46 fragmentos, cada um susceptível de comentário desenvolvido. Direi apenas que encontro uma marca estóica no encarar, no apreender e no justificar da morte ("A beleza é impossível sem as marcas da morte", p. 40); a consciência do dom e a responsabilidade ética que implica, acompanhada de nostalgia por uma pretensa época dourada, com o inevitável questionamento da desumanização da sociedade mercantilizada que nos coube viver, e em que o consumo se estende à arte. 
Prezo ainda a consequência que é retirada: a do artista (só não escrevo verdadeiro artista porque me lembra o Serafim Saudade) como elemento de resistência e sanidade em face da poluição mercantil que nos condiciona.
 
Rui Chafes, Entre o Céu e a Terra, Lisboa, Documenta, 1912.
 
[publicado noutro blogue, entretanto suspenso]

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