OS QUE SE AMAM
Os que se amam nem sempre estão juntos.
Sabemos
que é assim. Os passos que dão seguem um
caminho
ignorado para quem os surpreenda a noite
ou o límpido nevoeiro de um pressentimento
que neles existe. Às vezes, falamos
acerca de Romeu
porque nos esquecemos de Julieta, mas
sempre ambos existiram
nas suas sombras que eram afinal só uma.
As mãos
ficaram estendidas e o ar tornou-se mais
leve
para o respirarem dentro de uma flor.
Não podia ser
de maneira diferente. Mas perguntamos
agora se é o mesmo túmulo
que os deixa separados. O tempo passa e
depois chega
o esquecimento. «Meu amor», e são estas
as duas palavras
que foram pronunciadas. Qualquer nuvem
sobre uma casa em ruínas
fica maior. É aí que Eva espera por
Adão, Heloísa por Abelardo, Charlotte
por Werther. Elas entreabrem os seus
olhos para dizer
«o que murmuraste?» Havemos de escutar
estas palavras
tão simples como a água ao correr entre
os dedos, único
anel que lhes foi dado para sempre. E a
mesma pergunta
é a nós que se dirige, até se
compreender que somos
o outro, alguém que aparece para trazer
consigo
uma esperança possível, esta ternura que
foi mantida
em segredo e também um pouco de ciúme:
não passamos
nós tantas noites com Charlotte, Eva,
Julieta ou Heloísa
como se fôssemos tocados por um sereno
desgosto
ao despertar agora no jardim que há numa
página
que se desfolha? À sua volta o amor
deixou espalhadas
estas manchas de fecundidade, o leve
sémen que principia a descer e é capas
de decifrar
o segredo de um encontro esperado há
muito. Assim é o corpo
de todos aqueles que amam. A morte
veste-os.
FERNANDO GUIMARÃES - Junto à Pedra (2018)
Isto é tão lucidamente bonito, Manuel Nunes. E triste. Como uma sombra de asas na lonjura de ser pássaro.
ResponderEliminarGostei muito deste, escrito à pedra.
ResponderEliminarLindo!
ResponderEliminarGostei muito do poema.
:)