23 de agosto de 2024

LIRA MAIOR (3)

 

AMOR

 

Amor, amor, amor, como não amam

os que de amor o amor de amar não sabem,

como não amam se de amor não pensam

os que de amar o amor de amar não gozam.

Amor, amor, nenhum amor, nenhum

em vez do sempre amar que o gesto prende

o olhar ao corpo que perpassa amante

e não será de amor se outro não for

que novamente passe como amor que é novo.

Não se ama o que se tem nem se deseja

o que não temos nesse amor que amamos,

mas só amamos quando amamos o acto

em que de amor o amor de amar se cumpre.

Amor, amor, nem antes, nem depois,

amor que não possui, amor que não se dá,

amor que dura apenas sem palavras tudo

o que no sexo é o sexo só por si amado.

Amor de amor de amar de amor tranquilamente

o oleoso repetir das carnes que se roçam

até ao instante em que paradas tremem

de ansioso terminar o amor que recomeça.

Amor, amor, amor, como não amam

os que de amar o amor de amar o amor não amam.

 

JORGE DE SENA - Peregrinatio ad loca infecta (1969)


3 comentários:

  1. É infinitamente mais simples e diverso, ao mesmo tempo. E coisas «que se roçam» pode ser consequência de um dos tipos, ou pode não ter a ver nada com amor; até pode ser vingança ou desprezo..
    Em conclusão: se não em pleno desacordo, um mar de reticências.
    José Serra

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    1. "mas só amamos quando amamos o acto" - o sujeito lírico reflecte o sentimento do autor empírico: com a prole que deitou ao mundo (um proletário!☺) devia amar o acto sem preocupações. Depois teve de trabalhar como um mouro (acho que esta expressão não é politicamente correcta 😶) para criar a filharada que amava.
      Obrigado, caro amigo, pelo comentário.

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  2. Outros poemas do Sena aparecem também com a repetição até à exaustão, e o resultado é sempre bom.

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