11 de setembro de 2014

apanhados pela História

Um bom romance sobre o drama dos chamados retornados -- episódio central do pós-revolução de Abril, em que sobressai o choque cultural e consequente rejeição da "Metrópole", que responde em conformidade. Rejeição sentida principalmente por parte dos jovens, que nunca a haviam conhecido ou dela tinham uma ideia distorcida, porque mitificada, nomeadamente nos programas escolares. Decepção que acarreta um sentimento de impotência e revolta. Todos os que não fomos retornados conhecemos e tivemos parentes que o foram. Eu tenho a idade de Dulce Maria Cardoso, e lembro-me.
Esta é, pois, uma história sobre as vítimas da História, as que foram apanhadas no turbilhão em que, por um lado, se intersectaram as contingências da política interna (Guerra Colonial, Revolução e estado de pré-guerra civil, Descolonização) e, por outro, as dinâmicas geopolíticas decorrentes da Guerra Fria. Demasiado para simples pessoas que a pobreza da "Metrópole" ou o espírito de iniciativa fizeram com que fossem atraídas por essas terras de oportunidade. Daí que o mainstream político retornado espelhe uma enorme hostilidade ao 25 de Abril e àqueles que o protagonizaram, militares e políticos. Os doestos com que mimoseavam Soares e Rosa Coutinho, por exemplo, são expressão patética dessa impotência.
Dulce Maria Cardoso trata o tema, não apenas com mestria literária (a chegada ao Aeroporto da Portela é um dos grandes momentos do livro), mas igualmente com sabedoria autoral, pois O Retorno é um livro que se esforça por não tomar posição. Embora se perceba a inelutabilidade histórica -- e, desse ponto de vista, não há um mínimo de justificação do colonialismo, bem pelo contrário --, o romance é feliz ao dar-nos um perfil perfeitamente normal daqueles que vieram de África: na maioria, gente comum apanhada pelo vórtice da História. 
A forma como a autora o veicula é inteligentemente dada através do discurso do protagonista, Rui, um adolescente a quem, nós leitores, permitimos e compreendemos todos os desabafos, todas as invectivas, todas as perplexidades.

2 comentários:

  1. Acabei de ler "O Retorno" de Dulce Maria Cardoso, como leio todos os autores que escrevam sobre a descolonização e todas as consequências dela derivadas. Que posso eu dizer? Apenas que o achei espectacular, principalmente na forma em como é escrito. Uma narração invulgar em discurso directo e na primeira pessoa, cativante, que sabe prender o leitor. Audaz e sem qualquer tipo de pudor ao usar os termos certos. A história? Essa para mim já não será totalmente nova e única mas não deixa de ser oportuna, isto porque, também eu vivi caso parecido e soube de outros casos também reais. Não pude deixar de fazer as naturais comparações com os livros que eu próprio escrevi também, não no conteúdo, que nesse aspecto são bem diferentes, mas no modo narrativo e aí reconheço estar muito aquém do estilo, da classe e do saber da autora. A quem possa interessar posso adiantar que o meu primeiro livro intitulado "Geração Rejeitada" é uma narrativa em que expresso o modo de vida dos "brancos de 2.ª", como eu, e por lá vivíamos e depois o modo como fomos recebidos e tratados à chegada a Portugal. O segundo, um romance inspirado em factos reais, onde narro a história de um amor quase impossível entre um soldado português e uma moça de sangue nobre do norte de Angola e que o novo poder instalado após o 25 de Abril perseguiu de morte e enquanto decorria a batalha pelo controlo de Luanda. Intitula-se "O Soba Branco" publicado por "Sítio do Livro" (Virgula).
    Faço votos para que os meus leitores gostem da mesma forma que eu gostei deste. Os meus parabéns e agradecimentos à autora por esta excelente obra.

    Sempre ao dispor.

    António Serra Correia

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    1. A literatura sobre este período será fundamental para que se continue a dazer a história deste período.
      Obrigado pelos comentário.

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