PARA ACICATAR OS INDECISOS...
CM 1122
A pele dos estofos é ainda a tua,
e o calor do banco dianteiro.
Radiador vazio,
o meu coração sobreaqueceu.
Desço o vidro e ponho a cabeça de fora
a ver se o vento ma limpa
ou ma leva.
O gelo reluz no asfalto.
O cigarro que lhe atiro:
há instantes apenas acendido
pela tua mão soberana,
provinciana, emigrante.
A pele dos estofos é ainda a tua,
e o calor do banco dianteiro
e a minha alma um cinzeiro
que não posso despejar.
(Estrada Nacional, Rui Lage, pag. 29)
Esplêndido, claro.
ResponderEliminarOlá Bom Ano 2019 para todos. Quanto a este poema não vou por aí. Já li outros com mais elevação e mistério que toda a poesia dos sentidos deve ter...para ter qualidades. "não faças verso sobre acontecimentos/(…) os incidentes pessoais não contam./o que pensas e sentes, isso ainda não é poesia"(Drummond).
ResponderEliminarAbraço,
L.
Viva, Laurindo. O Drummond, um dos maiores poetas da nossa língua, passou a vida a fazer o contrário disso. Diria que a elevação vai de quem escreve, "do talento e da sensibilidade", como diz o Fernando, e não há temas insusceptíveis de abordagem poética -- até uma pedra no meio do caminho... E o talento ou se tem (e cultiva) ou não se tem, por muito "elevado" que se pretenda ser. Diria até que elevadores, para cima e para baixo, é o que não falta em poesia.
EliminarAbraço!
Compreendo o Laurindo... Também não aprecio, à partida, certa forma de fazer poesia, com recurso reiterado a uma linguagem por assim dizer'comum' ou corriqueira e com utilização de termos e expressões da vida do dia-a-dia. Mas quando o poeta consegue mexer comigo mesmo a partir do radiador ou dos estofos de um carro, aí eu cedo...
ResponderEliminarTudo vai do talento e da sensibilidade.
Este é, para mim, um belo e, sobretudo, muito original poema de amor...
Abraço e Bom 2019!
Ora aí está, a capacidade de comover, em sentido lato. Sem isso não há poesia, não há literatura, não há arte.
EliminarAb.