19 de junho de 2014

LEITURAS DAS QUARTAS


A CAMA, SE AO MENOS MUDASSE A CAMA

Excertos do conto filosófico “Maridos”, de Fernando Pessoa:

«Não há mulher nenhuma neste mundo – nem a mais séria, senhor juiz – que não tenha invejado essas que lá andam nas ruas à procura  dos homens – nenhuma, senhor juiz (…)
Isto, senhor juiz, e para que Vossa Excelência saiba, e os senhores jurados, é o que todas as mulheres sentem.
(…) E vem uma vontade de meter a costura pela pia abaixo, e de ir para longe ao menos só para chorar à vontade.
(…) Sempre o mesmo homem, senhor juiz – o mesmo homem todos os dias, com o mesmo corpo e a mesma maneira! Todas as noites, senhor juiz, e na mesma cama – nem a cama muda ao menos. E aquilo ao fim de tempo já não era viver, nem coisa que se parecesse – era uma coisa entre comer para não ter fome e fazer o serviço da casa… Se os homens soubessem o que custa a aturar! Se soubessem o nojo que a gente tem por eles quando está encostada a eles!
E eu, senhor juiz, não tinha outro remédio senão matá-lo para estar bem com a minha consciência e com a Igreja.
Foi por isto, senhor juiz e senhores jurados que matei o meu marido.»

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