25 de novembro de 2014

João de Melo fala sobre ETERNIDADE

«Ler Ferreira de Castro, 40 anos depois». No Museu Ferreira de Castro, sexta-feira, 28 de Novembro, pelas 19 horas.
informações: museu.fcastro@cm-sintra.pt;
tel.: 219238828

1.ª edição, 1933
capa: Bernardo Marques

Eça de Queirós, 169


25 de Novembro de 1869, Póvoa de Varzim

24 de novembro de 2014

notas sobre a sessão de «Nenhum Olhar»

* Um pouco fora de tempo, deixo aqui umas linhas sobre o livro do último mês: 
* Um romance sobre a vivência trágica da vida, escuro por vezes obscuro. Noto um ethos alentejano -- algo que uma das participantes na sessão da passada sexta-feira [a 1.ª de Novembro], por sinal alentejana, baixa-alentejana, diga-se, não subscreveu, embora aceitasse a possibilidade de o Alto Alentejo, em especial o distrito de Portalegre, poder ser diferente quanto à psicologia colectiva. Não sei nem , pelo sangue, tenho como o saber. [Curiosamente, já depois destas linhas escritas, estive com uma nossa confreira, também alentejana do Baixo, que sentiu essa identificação.[

*Um confrade falou num De Profundis bíblico, o que me pareceu muito feliz, não sei se também sugestionado pelos nomes bíblicos das personagens masculinas. Um outro, também com grande acerto, falou num livro sobre o caos humano, o conflito com o que não se quer ver, uma poética da sombra. Um terceiro, falou na narrativa como um longo poema, no que estou de acordo. Foi uma grande sessão!

* Trata-se do seu primeiro romance, e podemos detectar algumas influências, uma reais outras talvez sugestão minha. Quanto às reais, é inegável que o estilo de José Saramago aqui se faz muito sentir. Falou-se de António Lobo Antunes, mas eu não dei por isso. Subjectivamente, ouvi os ecos de algum José Régio, das narrativas alentejanas, e Manuel da Fonseca, alguns contos seus. Referência também a Raul Brandão: já não acompanho.

* Houve quem gostasse, e muito, e quem detestasse; quem lhe apreciasse a estética e quem achasse o texto um emaranhado de divagações e/ou lugares-comuns. Éramos vinte, e a coisa andava pela metade-metade.

20 de novembro de 2014

leituras das 4ª feiras


 «Perdera a vida só num olho, um lado da cara todo esfacelado. O olho dele era faz-conta um peixe morto no aquário do seu rosto. Mas o sargento era tão apático, tão sem meximento, que não sabia se de vidro era todo ele ou apenas o olho. Falava com impulso de apenas meia-boca. Evitava conversas, tão doloroso era ouvir-se. Não apertava a mão a ninguém para não sentir nesse aperto o vazio de si mesmo. Deixou de sair, cismado em visitar no obscuro da casa a antecâmara do túmulo. O Correia perdera interesses na vida: ser ou não ser tanto lhe desfazia. As mulheres passavam e ele nada. E ladainhava: «estou morto por metade»
Agora, reformado, sozinho, mutilado de guerra e incapacitado de paz, Antunes Correia e Correia tomava conta das suas lembranças. E se admirava do folgo da memória. Mesmo sem o outro hemisfério não havia momento que lhe escapasse nessa caçada ao passado. Das duas uma: ou minha vida foi muito enorme ou ela fugiu-me toda para o lado direito da cabeça. Para as recordações virem á tona ele inclinava o pescoço.

(do conto "A Viagem da Cozinheira Lagrimosa". Lido na sessão de 19-11-2014)

18 de novembro de 2014

de José Eduardo Agualusa

«-- O amigo acredita em Deus?
A pergunta apanhou-me desprevenido. Deus? Eu estava dentro de um táxi, tinha fechado a porta e indicado o destino. Ainda pensei em sair mas o carro já corria, às curvas, por entre o trânsito transtronado de Lisboa. Assim, acomodei-me no assento, suspirei fundo e preparei-me para o pior.»

Início de «O taxista de Jesus», in Fronteiras Perdidas, 5.ª ed., Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2009, p. 19. (Lido na sessão de quarta-feira, 12 de Novembro)

17 de novembro de 2014

de Sarah Adamopoulos

«Ele queria um filho. Ele queria um filho. Ele queria um filho. Ele queria um filho. Ele queria um filho. Vou fazer-te um filho. Mas eu não quero um filho. Mas eu preciso dum filho. Então manda vir. Mas eu quero um filho teu. Ou contigo. Ou qualquer coisa assim. Eu quero um filho. Então faz um. Mas um filho não se faz sozinho. Pois não. Faz-se com uma mulher que quer ter um filho. Dá-me um filho. Não. Então ele começou a beber. [...]»

Excerto de «O Adeus aos feijões verdes», A Vida Alcatifada, Lisboa, Fenda, 1997, p. 72.
(lido na sessão de quarta-feira, 12 de Novembro)

de Paul Auster

«L. e eu casámos em 1974. O nosso filho nasceu em 1977, mas no ano seguinte o casamento tinha terminado. Nada disto é relevante agora -- excepto para situar a cena de um incidente que ocorreu na Primavera de 1980.»

início do texto #4 de O Caderno Vermelho, tradução de Fátima Freire de Andrade, 8.ª ed., Porto, Edições Asa, 2002, p. 21.

(lido na sessão de quarta-feira, 12 de Novembro)

16 de novembro de 2014

40 ANOS DE MOVIMENTO



O número 1 da revista literária Movimento (cadernos de poesia & crítica) foi lançado na cidade do Funchal em Novembro de 1973. A direcção e coordenação deste número único esteve a cargo do  poeta A J Vieira de Freitas, o verdadeiro impulsionador desta publicação. Natural da Madeira, Vieira de Freitas, era   um dos raros modernos residentes  no espaço insular. Queria fazer desta revista, um espaço para a divulgação da autêntica poesia e simultaneamente despertar nos leitores o  gosto pela  leitura e crítica poéticas inexistente a nível local.

 Houvera no início dos anos 70 o colóquio “Ao encontro da poesia”, na Escola Industrial e Comercial do Funchal. Nele participaram a poetisa Irene Lucília Mendes de Andrade, os poetas A J Vieira de Freitas e José António Gonçalves e o jornalista Tolentino de Nóbrega. Aqui foi  debatida a interminável (?!) questão entre antigos e modernos. Questionou-se essencialmente o versilibrismo, que não era aceite por todos;  Pelo seu simbolismo estes dois acontecimentos culturais vão entusiasmar a geração a que pertenço nascida na década de 50 e projectá-la depois.         

De autêntica poesia se trata. A revista Movimento contem  na variedade das suas vozes mui particulares, o fermento do discurso social na literatura que é nexo relacional e emocional nos textos ora apresentados. Participaram, com poemas rigorosamente originais 4 poetas continentais e 4 poetas madeirenses, que coloco por ordem de publicação : Eugénio de Andrade, António Ramos Rosa, Pedro Tamen, José Bento, A J Vieira de Freitas, José Agostinho Baptista, José António Gonçalves,e, Gualdino Rodrigues. 

A  revista Movimento  está de certo modo inspirada nos ideais da Árvore,    e nos poetas de 50 mas não rigorosamente. Observamos textos situados entre o simbolismo e filamentos do surrealismo, quase. Mergulha, outrossim    nas questões da consciência social , da existência, e da condição humana. Pelas suas preocupações sociais e estéticas e partilha de meios literários e éticos é exemplar para as novas gerações de poetas.     

 

15 de novembro de 2014

de Alberto da Costa e Silva

«Poeta quis ser, e, agora consolam-me, dizendo-me que fui poeta e -- quem sabe? -- sou.»

Excerto de «O deslumbramento do mundo», discurso de aceitação do Prémio Camões 2014, em 29 de Outubro passado, na Fundação da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

De salientar outro excerto, formidável, de outro orador na cerimónia, Jorge Barreto Xavier, Secretário de Estado da Cultura, que aí se deslocou propositadamente, como era seu dever -- ao contrário do que sucedeu (talvez escandalosamente) com a ministra brasileira da Cultura, que justificou a ausência com "motivos de ordem pessoal". E disse Barreto Xavier: "Saúdo acima de tudo o homem que reúne de forma tão gloriosa todos eles [o poeta, o historiador, o ensaísta...], atribuindo a cada parte dons de palavra e de um imenso trabalho abençoado por uma escrita pessoal e ao mesmo tempo hoje património comum da língua portuguesa, uma escrita que que não se sabe bem se é literatura ou história, poesia ou prosa, ensaio ou novela, uma escrita que na reunião do conjunto da obra corresponde a um monumento construído ao rio Atlântico e às suas margens, do Brasil a África, de Portugal ao Brasil." 

in JL- Jornal de Letras, Artes e Ideias # 1151, Lisboa, 12 de Novembro de 2014
(lido na sessão de 12 de Novembro)

14 de novembro de 2014

de Antero de Figueiredo

«Nos paços reais de Santarém, D. Pedro esperava, impaciente, a chegada dos fidalgos criminosos. Mais de uma vez o rei passeara pela cortina do nascente e subira à torre albarrã, alongando aguçada e sôfrega vista por cima de Almeirim, das lezírias do Ribatejo -- para além, muito para além, para as bandas de Avis, de Barbacena, de Elvas, de Badajoz, em ânsia exasperada.»

Início de «A vingança de D. Pedro», extraído de D. Pedro e D. Inês (1913), in 14 Novelas Históricas Portuguesas, Lisboa, Estúdios Cor, 1965, p. 155.

(lido na sessão de quarta-feira, 29 de Outubro de 2014)

13 de novembro de 2014

de Ferreira de Castro

«Irmanados pelo mesmo arcabouço literário, pela mesma forte orquestração verbal, os dois separam-se quando as pupilas devem constituir elemento a aproveitar. Herculano tem pouca cor, usa poucas cores. A sua visão não encontra cromatismos e é como o seu pensamento: profundo, vasto, mas sóbrio. Se tivesse de pintar, seria como certos mestres da arte espanhola; sombrios, procurando exteriorizar-se pelo castanho e pelo negro. Há sempre algo de arte ibérica, conventual, neste génio português.»

Excerto de «Euclides e Herculano», Vária Escrita #3, Sintra, Câmara Municiapl, 1996, pp. 157. Texto originalmente publicado no n.º 0 (ou "espécime") de O Diabo -- Semanário de Crítica Literária e Artística, de que Ferreira de Castro foi fundador, tendo sido, por breve período, um dos seus directores..
Antologiei-o num pequeno conjunto de textos circunstanciais sob o título «A unidade fragmentada. Dispersos de Ferreira de Castro».

(lido na sesão de quarta-feira, 29 de Outubro de 2014)

12 de novembro de 2014

(IDEIAS AVANÇADAS...)

"Parecerá paradoxo a estes Catões portugueses ouvir dizer que as mulheres devem estudar; contudo, se examinarem o caso, conhecerão que não é nenhuma parvoíce ou coisa nova, mas bem usual e racionável.
Pelo que toca à capacidade, é loucura persuadir-se que as mulheres tenham menos que os homens. Elas não são de outra espécie no que toca à alma; e a diferença do sexo não tem parentesco com a diferença do entendimento.
... .... ....
Quanto à necessidade, eu acho-a grande, que as mulheres estudem. Elas, principalmente as mães de família, são as nossas mestras nos primeiros anos da nossa vida: elas nos ensinam a língua; elas nos dão as primeiras ideias das coisas. E que coisa boa nos hão-de ensinar, se elas não sabem o que dizem?
... ... ...
Além disso, elas governam a casa, e a direcção do económico fica na esfera da sua jurisdição. E que coisa boa pode fazer uma mulher que não tem alguma ideia da economia?
... ... ...
Muito mais porque não acho texto algum da lei, ou sagrada ou profana, que obrigue as mulheres a serem tolas e não saberem falar. As freiras já se sabe que devem saber mais alguma coisa, porque hão-de ler livros latinos. Mas eu digo que ainda as casadas e donzelas podem achar grande utilidade na notícia dos livros. Persuado-me que a maior parte dos homens casados que não fazem gosto de conversar com as suas mulheres e vão a outras partes procurar divertimentos pouco inocentes, é porque as acham tolas no trato.
... ... ...
Certo é que uma mulher de juízo exercitado saberá adoçar o ânimo agreste de um marido áspero e ignorante...
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(lido na sessão de 4ª feira, 12 de Novembro)

11 de novembro de 2014

Joana Bértholo fala sobre EMIGRANTES, de Ferreira de Castro

No MU.SA -- Museu das Artes de Sintra, 14 de Novembro 2014, 19 h.

capa de Stuart Carvalhais para a 1ª edição (1928)
 
informações: museu.fcastro@cm-sintra.pt;
tel.: 219238828

9 de novembro de 2014

ETERNIDADE






Quando não sabia. Mas o cavalinho de cartão entrara um dia na história da sua vida. Quando deu por ele? E são muitos quando. Quando a  fotografia de contornos pesados e rigorosos do Amândio Fotógrafo lhe devolveu a imagem. Menino com cavalo, isso mesmo. A cara plena de espanto, o colete de veludo, obviamente macio, calção, camisa branca, meia branca, sapato de fivela. A condizer com qualquer coisa animal. A pata branca do cavalo, o selim igualmente branco, a luz nas ventas. O espanto, também. Cavalo…cavalo, o nome soou.

 Mais tarde escreveria poemas dando-lhe prados maiores, veria cavalos correrem no grande ecrã, leria pinturas de cavalos em Júlio Pomar. Mas só mais tarde. O seu, de cartão e sonho quixotesco ficou agarrado ao minúsculo prado de madeira de pinho com rodízios. Quase um precipício.

Pediram-lhe que estivesse quietinho. Já  era, quietinho. E esteve mais. O momento era histórico. Sabia-o. Mas só sabia isso. Aquele era decididamente o momento. Susteve a respiração. Abriram-se-lhe instantaneamente duas luas de iluminação muito forte sobre o rosto. Ficou em décimos de segundo com as luas nos olhos. Disseram-lhe: “Já está”.

Foi a fotografia de menino com cavalo.  A única coisa verdadeiramente séria, certeira, que fez na vida. Interroga-se por vezes: fotografia? mas que é isso de fotografia? ainda não sabe. Gozou apenas aquele momento de menino-poeta-cavalo. Se a eternidade é. É aquilo: “já está”. E ele é, na marca do seu espanto aquele grão de eternidade.