A carta
(datada de 14-11-1940) é curiosa, mesmo à maneira de António Botto. Começa por louvar o
romance A Tempestade, editado pela
Guimarães naquele ano, dizendo de seguida que não possuía os romances Emigrantes e Terra Fria e
que queria «completar a colecção», naturalmente com exemplares que o autor
tivesse disponíveis: «se lhe for possível agradecia-lhe muito que aí deixasse o
que consta do pedido acima mencionado.» E em post scriptum acrescenta esta pergunta talvez impertinente: «Poderei
mandar aí amanhã o portador?»
José Régio, autor do ensaio António Botto e o Amor (1938), tinha, como outros escritores, razões de queixa do poeta. Fundamentalmente pela sua índole em que imperava a intriga, a duplicidade e a mentira. Nunca deixou, porém, de reconhecer o valor da sua poesia.
No 5º volume
do ciclo romanesco A Velha Casa, Botto
é representado na personagem do poeta João Salvador. Fique-se com uma ideia da
personagem criada por este pequeno trecho: «Toda Lisboa mais ou menos culta assumia
perante o poeta-esteta João Salvador uma posição complicada e peculiar: pois ao
mesmo tempo o admirava (ou não sabia se devia admirá-lo), o desprezava um
pouco, repetia a seu respeito anedotas indecorosas, o temia pela sua língua
delicadamente viperina, e alimentava por ele uma curiosidade que o próprio se empenhava
em açular sem satisfazer. Desde a noite em que Lelito o conhecera, sempre a sua
fama, ou popularidade, viera grassando. Uma popularidade pouco invejável,
diziam os moralistas e puritanos. Até alguns colegas o diziam; – e colegas em todos o sentidos, embora
alguns secretos. Os versos destes eram vulgares, por isso eram estes que mais o
odiavam e invejavam. Porém Fernando Pessoa escrevera em seu louvor, outros
tinham acompanhado tal arrojo, e, embora a autoridade do Mestre ainda então não
fosse reconhecida por muitos, já bastava a refrear um pouco o fel dos
invejosos.» (JOSÉ RÉGIO, Vidas São Vidas,
edição da Obra Completa, IN-CM, p. 120).
Notável retrato...
ResponderEliminarEles conheciam-se todos de Lisboa, a maior aldeia do país. Salvo erro, o Botto colaborou na «Civilização».
O retrato é da minha edição das "Canções" (Ática). Sobre conhecerem-no de Lisboa, sim, o Gaspar Simões, o Almada (que lhe chamava "serpente"), não o Régio que odiava a capital, embora mais para o fim da vida tenha ganhado o "vício de Lisboa". Se colaborou na "Civilização", não sei.
ResponderEliminar