MARIA ARCHER
Eu, que me considero um ignorante curioso e vagamente esclarecido, venho confessar pública e humildemente que até há poucochinho (quando li a carta de Maria Archer e respectivas notas), ignorava quase tudo acerca da escritora e activista anti-fascista. Obrigado, mais uma vez, R.A., por esta tão rica manta de valiosos retalhos que é o livro 'sub judice'.
Muitas das cartas revelam amplas facetas dos seus autores. Mas a da M. Archer parece-me dever figurar em lugar de destaque.
Que delicadeza, que sensibilidade, que distinção!
Metade da carta é para, com fina elegância e grande detalhe, explicar a FC o motivo por que não lhe pôde acenar da amurada, depois de embarcar não sei em que navio, rumo ao Brasil, aproveitando, no final, para pedir-lhe, à cautela, para representar igual explicação a Aquilino, que também terá ficado a ver navio(s). Não sei qual a posição da senhora perante o assunto religião, muito menos o que pensava sobre a Senhora de Fátima, mas tocou-me a forma respeitosa e nobre com que ela relata o incómodo e transtorno que lhe trouxe o embarque da imagem. Não é coisa que se veja muito, nomeadamente em pessoas que não professam uma qualquer fé. Outro qualquer aproveitaria para expelir impropérios contra o pedaço de madeira que só foi perturbar o sossego de um pacato viajante...
A outra metade continua a revelar uma mulher do mundo, muito inteligente, atenta e crítica ao que se passa à sua volta (em meia dúzia de linhas traça um bom retrato do Brasil, sobretudo Rio e São Paulo, sem esquecer uma nota sobre a pouca relevância da colónia portuguesa) e sobremaneira preocupada com a forma como fintar a censura...
Um dia destes, se o covid permitir, ainda vou procurar qualquer coisa de M.A. para ler!
(Se F.C. teve um caso com M.A., teve muito bom gosto, a todos os títulos...)
FF
Ela é uma das mais importantes ficcionistas portuguesas da primeira metade do século XX.
ResponderEliminarNão há muitos anos, a parceria A. M. Pereira reeditou pelo menos um romance, «Nada Lhe Será Perdoado», talvez possamos agendá-lo para o ano, se estiver disponível...
Da Archer, comprei há uns tempos numa feira de livros "A Primeira Vítima do Diabo", contos, 3ª edição, de 1958. Edições SIT Lisboa.
ResponderEliminarOs escritores daquele tempo chegavam às 3ªs edições. Agora que estou em casa e com a vida em suspenso, vou ler... nos intervalos d´"A Montanha Mágica".
Entre 2012 e 2015, li e reli, a pente fino, estas 100 Cartas a Ferreira de Castro.
ResponderEliminarDeixo a transcrição de uma das que mais gostei, pelo conteúdo e pelo tom simultaneamente coloquial e seco.
Foi remetida a partir de S. Miguel da Carreira, Minho, a 22 de Setembro de 1934, por Sant’Ana Dionísio, principal mentor e promotor dessa obra espantosa e única da Geografia e da Ecologia Humana do nosso país que é o Guia de Portugal.
pp. 51-52:
Meu caro Ferreira de Castro
O que é feito de Você? Que lhe deu este verão? A mim quase nada de aproveitável, além do ar dos pinheiros. Tenho tido mais do que uma vez, em cada dia, nesta temporada de lagarto, a ideia-desejo de lhe escrever mas o diabo do deixa-para-logo não me tem deixado tomar o papel e riscá-lo. – “De resto – dirá V. com os seus botões – que terá o Santana [sic] que dizer-me se aqui em Lx., morando a dois passos um do outro, só nos encontrávamos como se um tivesse casa em Sagres e outro no Soajo? É de facto justo o seu resmungo. A verdade porém é que não há nada mais hostil à convivência que a raiva surda de que se anda possuído quando se anda a empurrar um livro. A gente quase se faz feroz. Agora que estou por um ou dois meses em deliberado chômage, se aí estivesse, apareceria todos os dias, tenho a certeza. Havíamos de arrumar um pouco melhor aquela questão que esboçámos sobre a interpretação do suicídio. Tem pensado ainda nisso? Se leu o livro, que lhe pareceu esse ponto?
O “Século” não publicou uma linha, sequer, que eu saiba, sobre esse mono. Se fosse um livrinho de versos de uma menina histérica até vinha retrato…
Diga daí alguma coisa. Estarei ainda por aqui até ao dia 1 de Outubro. No dia 6 devo descer a Lx talvez para embarcar de novo para a Madeira. Gostaria de receber antes duas palavras. Do livro não faça caso. Ale de si e dos seus projetos.
Um abraço do
Sant’Ana Dionísio