14 de janeiro de 2022

RUY BELO : A NOVA POESIA EM PORTUGAL


 

                    Em 78 procuravam-se novos rumos para a cultura portuguesa após uma década de notáveis experimentalismos. Retenho algumas ideias que bebi em "A Vida da Poesia" de Gastão Cruz : a) quando R.B. surge o discurso poético estava por definir-se quanto a direcções a tomar - a linha discursiva que vinha de Sena, Rosa ou Helder estava suspensa.; b) surge um tempo de desconstrução do discurso com o desmantelamento de esquemas lógicos e sintáticos; c) Ruy Belo opta pela reconstrução do discurso.

Na revista Raíz e Utopia que sai no Inverno daquele ano, cuja leitura recomendo vivamente, (  que tenta ocupar o hiato cultural com reflexões muito amplas) é publicado na secção de Poesia um inédito de Ruy Belo que renova tudo o que sabemos ou pensamos a propósito do poeta. Cuidava-se então, neste número, de uma "nova poesia em Portugal" pelas mãos de José Manuel Alexandre, de Manuel Cintra e Luis Miguel Nava. São textos longos, com versos muito longos e irregulares aonde se deixa correr a pena a quente sem preocupações de rima numa confluência temática "delirante".  Não sei que é feito desta nova poesia...

O inédito manuscrito de Ruy Belo intitula-se "Na Noite de Madrid"  (escrito na Póvoa de Varzim, à vista do mar, 10 horas da manhã do dia 29 de Dezembro de 1971). Chama-se a atenção para este texto por ser o passo seguinte a Homem de Palavras(s) transportando contudo todas as abordagens temáticas que conhecemos no poeta nomeadamente a problemática da exclusão do sujeito e do anonimato do outro que tão humanamente expôs nos seus poemas: "que jornal contaria a imensidão do nome/de quem como um insulto ali jazia?/que pensamentos próximos tivera?/e o que levaria ele nos bolsos?/Donde viria?sorriria?onde ia?".

Para concluir: Foi esta forma de expressão aquela que mais me atingiu e deixou possivelmente algumas marcas nos meus escritos e nos da minha geração nas entrelinhas de finais de 70 despoletando em nós alguma poesia política despertando-nos para várias realidades do país real que eramos e país sonhado que continuamos a ser por muitos anos.       

                         

                

3 comentários:

  1. Obrigado, Laurindo, por este apontamento de cultura poética. Em Ruy Belo há uma nova poesia que não elide a herança do passado. Em "Homem de Palavra[s]" encontramos - só do que me recordo - referências a António Nobre, Cesário Verde, Manuel Bandeira, Fernando Pessoa e até ao medieval "Canto del Mio Cid", de autor desconhecido. Esta é a verdadeira poesia, a que se assume na sua originalidade num diálogo entre o antigo e o moderno. Só assim o Cid se torna contemporâneo, como o poeta diz em "Da poesia que posso». Veja-se, a propósito, aquele verso da "Ode Triunfal", de Álvaro de Campos: «E há Platão e Vergílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas».

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    1. Obrigado pelo teu comentário muito esclarecedor. Absolutamente de acordo. A poesia, como toda a arte é um processo, ininterrupto que vive e se renova com a memória. Qualquer cisão com o passado não tem razão de ser. Muito menos Ruy Belo que integrava na sua poesia discursos alheios e dizia que, por vezes, desconhecia o que era seu e o que não era.

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  2. Esplêndido, Laurindo. É também por isso que o Ruy Belo é um dos meus poetas.

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