NASCIMENTO
A minha égua lazã
Teve uma linda cria,
Nascida antemanhã,
Mal, ao de leve, despontava o dia...
Cá fora,
Na placidez da hora enregelada e fria,
Silenciosa e deserta
A terra dormitava.
E pela porta aberta
Da velha estrebaria,
Um hálito de vida se escapava
E, como fumo, manso se perdia.
Sombras de uma lanterna fraca
Dançavam, ágeis, na parede escura.
E brandamente,
Naquela luz opaca,
Tudo envolvia uma doçura quente.
Sobre a palha doirada,
Enquanto o sol aos poucos
Ia surgindo à porta,
A mãe jazia, agora descansada.
E a dois passos, imóvel e estirada,
A cria parecia ter nascido
Pra logo ficar morta,
O corpo já doído
Do trabalho da vida começada.
Venho assomar-me à porta,
A contemplar o meu amigo dia.
E o campo, todo branco de geada,
Brilha até onde a minha vista alcança...
E, infantilidade,
Ou despropositada poesia,
O nascimento, a hora, a luz do dia,
Dão-me um fecundo amanhecer de esperança.
Francisco Bugalho (Porto, 1905 - Castelo de Vide, 1949)
presença #51, Coimbra, Março de 1938,
Um mergulho delicioso no poema (que parece simples) profundo.
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