18 de março de 2024

101 poemas portugueses - #27


Porque as mães sempre amaram tudo quanto
Chora de baixo, ou pede algum perdão,
Quer seja a flor, que sofre em qualquer canto,
Seja a raiz, às cegas pelo chão.

E mortas -- não lhes morre ao pé um pranto,
Que elas não sequem com a sua mão,
-- Mesmo quietinhas, inda afagam tanto,
Mesmo geladas, que calor não dão!

Basta que à tarde, pequenino e estreito,
Um fio d'água passe por seu peito,
Logo julgam, de novo, os peitos cheios;

De modo que não há por todo o solo,
Miséria, que não durma no seu colo,
Desgraça, que não mame no seu seio!

Nunes Claro (Lisboa, 1878 - Sintra, 1949)
A Cinza das Horas (1928)

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