30 de abril de 2020

RUBEN A. - AUTOBIOGRAFIA


Em Fevereiro de 1929, o vapor “Deister”, de bandeira alemã, naufragou à entrada  do Douro. Toda a tripulação, composta por vinte e quatro homens, bem como o piloto de barra português morreram.
O naufrágio é referido por Ruben A. no primeiro capítulo do volume I da sua autobiografia – O Mundo à Minha Procura –, que a ele assistiu com oito anos de idade. O navio havia encalhado e estava à beira de se despedaçar ante a fúria do mar. As gentes desciam da cidade até à Foz para assistirem à morte anunciada. E assim se passou com o pequeno Ruben, levado pelo Sezé carpinteiro, seu guardião e companheiro da idade da inocência na quinta do Campo Alegre, propriedade da avó, em cuja casa apalaçada vivia desde que os pais tiveram de partir para o Brasil.  
Desta casa disse Sophia, prima do escritor, em poema do livro O Nome das Coisas:
«Era um dos palácios do Minotauro / – o da minha infância para mim o primeiro / Ali o túmulo cego confundia / O escuro da noite e o brilho do dia (...)»
E sobre o «túmulo cego» em que se convertera o vapor alemão, escreveu Ruben A.:
«Confuso, não percebia bem a razão do naufrágio, ignorava as forças poderosas que os elementos guardam para as horas de expiação. Havia ali uma lei da morte que eu não compreendia. Aos poucos, a chuva miudinha fez desaparecer nos longes a silhueta de sarcófago, que era a do vapor no horizonte.
«Os sinos de Lordelo desafinavam ao transmitir as mensagens de perigo que o sineiro apressadamente marcava; as mulheres da fábrica do Robes, apanhadas de surpresa à hora do caldo, decidiram avançar por Serralves abaixo, meter ao Ouro e seguir pela marginal até mesmo à Foz, onde estava a desgraça. O pequenito, que era eu, só reparava que, de tanta confusão, os pássaros se haviam escondido e que mesmo o vento não falava, a não ser pela voz dos agoirentos.»
Na biografia de Ruben A., da autoria de Liberto Cruz e Madalena Carretero Cruz, diz-se: «Este primeiro contacto com a morte, quando não tem ainda nove anos, irá forçá-lo a compreender que a tragédia não era compatível com lamentos e choros. Era necessário admiti-la, por mais absurda que ela fosse ou se apresentasse.»
Além do mais, uma tragédia que permitiu criar umas belas páginas de escrita autobiográfica e o arranque poderoso de uma autobiografia.

Nota: Ruben A. refere o nome do vapor como "Deinster" e quanto ao número de tripulantes fala de «quarenta homens» que «encomendavam a alma aos deuses revoltos do mar».

3 comentários:

  1. J. A. Marcos Serra1 de maio de 2020 às 10:50

    E cá vou aprendendo, das ocupações primordiais da vida.
    E gostando.
    J. A. Marcos Serra

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  2. Belo post, meu caro!
    E viva o Ruben!

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  3. Também gostei! Como diria o Jô Soares.
    E, com tão suculentas amostras, acho que, quebrando um auto-imposto jejum aquisitivo (vai-me faltar o tempo para ler tudo o que tenho à espera), ainda vou acabar por comprar uma obra do Rúben A.

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