Em Fevereiro de 1929, o vapor “Deister”, de
bandeira alemã, naufragou à entrada do
Douro. Toda a tripulação, composta por vinte e quatro homens, bem como o piloto
de barra português morreram.
O naufrágio é referido por Ruben A. no primeiro
capítulo do volume I da sua autobiografia – O
Mundo à Minha Procura –, que a ele assistiu com oito anos de idade. O navio
havia encalhado e estava à beira de se despedaçar ante a fúria do mar. As
gentes desciam da cidade até à Foz para assistirem à morte anunciada. E assim
se passou com o pequeno Ruben, levado pelo Sezé carpinteiro, seu guardião e companheiro
da idade da inocência na quinta do Campo Alegre, propriedade da avó, em cuja
casa apalaçada vivia desde que os pais tiveram de partir para o Brasil.
Desta casa disse Sophia, prima do escritor, em
poema do livro O Nome das Coisas:
«Era um dos palácios do Minotauro / – o da
minha infância para mim o primeiro / Ali o túmulo cego confundia / O escuro da
noite e o brilho do dia (...)»
E sobre o «túmulo cego» em que se convertera o
vapor alemão, escreveu Ruben A.:
«Confuso, não percebia bem a razão do
naufrágio, ignorava as forças poderosas que os elementos guardam para as horas
de expiação. Havia ali uma lei da morte que eu não compreendia. Aos poucos, a
chuva miudinha fez desaparecer nos longes a silhueta de sarcófago, que era a do
vapor no horizonte.
«Os sinos de Lordelo desafinavam ao transmitir
as mensagens de perigo que o sineiro apressadamente marcava; as mulheres da
fábrica do Robes, apanhadas de surpresa à hora do caldo, decidiram avançar por
Serralves abaixo, meter ao Ouro e seguir pela marginal até mesmo à Foz, onde
estava a desgraça. O pequenito, que era eu, só reparava que, de tanta confusão,
os pássaros se haviam escondido e que mesmo o vento não falava, a não ser pela
voz dos agoirentos.»
Na biografia de Ruben A., da autoria de Liberto
Cruz e Madalena Carretero Cruz, diz-se: «Este primeiro contacto com a morte,
quando não tem ainda nove anos, irá forçá-lo a compreender que a tragédia não
era compatível com lamentos e choros. Era necessário admiti-la, por mais absurda
que ela fosse ou se apresentasse.»
Além do mais, uma tragédia que permitiu criar
umas belas páginas de escrita autobiográfica e o arranque poderoso de uma
autobiografia.
Nota: Ruben A. refere o nome do vapor como "Deinster" e quanto ao número de tripulantes fala de «quarenta homens» que «encomendavam a alma aos deuses revoltos do mar».
Nota: Ruben A. refere o nome do vapor como "Deinster" e quanto ao número de tripulantes fala de «quarenta homens» que «encomendavam a alma aos deuses revoltos do mar».
E cá vou aprendendo, das ocupações primordiais da vida.
ResponderEliminarE gostando.
J. A. Marcos Serra
Belo post, meu caro!
ResponderEliminarE viva o Ruben!
Também gostei! Como diria o Jô Soares.
ResponderEliminarE, com tão suculentas amostras, acho que, quebrando um auto-imposto jejum aquisitivo (vai-me faltar o tempo para ler tudo o que tenho à espera), ainda vou acabar por comprar uma obra do Rúben A.