26 de maio de 2014

Jorge Amado sobre a sua obra, em 1990

 «Sobre mim e minha obra literária muito se escreveu, de bem e de mal. Disseram certos críticos que não passo de um limitado romancista de putas e de vagabundos. Creio que é verdade e orgulho-me de ser o porta-voz dos mais despossuídos de todos os despossuídos. Disseram também que tenho a paixão da mestiçagem, e dizem-no com raiva racista. Honro-me infinitamente de ser um romancista da nação mulata do Brasil. Creio que, querendo ofender-me, esses críticos me exaltaram e definiram.»

Excerto do discurso no Doutoramento Honoris Causa de Jorge Amado em Línguas e Literaturas Estrangeiras na Universidade de Bari (Itália - 1990), s.l., Colóquio Internacional 100 Anos de Jorge Amado, 2012, pp. 1-4, lido na sessão de 21 de Maio de 2014.

Divulgação CLUBE DE LEITURA - LEITURAS NA JUVENTUDE 2014

A iniciativa “Clube de Leitura - Leituras na Juventude 2014” tem a primeira sessão marcada na Casa da Juventude da Tapada das Mercês, no dia 28 de maio, das 18h00 às 20h00.
A primeira leitura é da obra “O Leitor”, romance escrito por Bernhard Schlink, publicado pela primeira vez em 1995 e adaptado para o cinema em 2008, por Stephen Daldry.
As sessões realizam-se na última quarta-feira do mês de acordo com o calendário seguinte:
Mês, Dia: Sugestão de Leitura
Maio, 28: O Leitor, Bernhard Schlink
Junho, 25: No meu Peito não Cabem Pássaros, Nuno Camarneiro
Julho, 30: O Senhor das Moscas, William Golding
Agosto, 27: Livro sem Ninguém, Pedro Guilherme-Moreira
Setembro, 24: A Vida de Pi, Yann Martel
Outubro, 29: Manhã Submersa, Vergílio Ferreira
Novembro, 26: Incrivelmente Alto e Incrivelmente Perto, Jonathan Safran Foer
O “Clube de Leitura - Leituras na Juventude 2014” insere-se no projeto da Câmara Municipal de Sintra “Clube de Leitura” e tem como objectivos promover hábitos de leitura, conhecer novos autores e promover o diálogo e o debate de ideias sobre diferentes obras.
A iniciativa “Clube de Leitura - Leituras na Juventude 2014”, em particular, é promovida pela Divisão de Desporto e Juventude da Câmara Municipal de Sintra e pretende abordar obras com temáticas ligadas à juventude e promover o contato com novos autores.
Entrada livre

21 de maio de 2014

JÁ VAI A MEIO! 

Sem qualquer menosprezo pelo autor, que não tenho o prazer de conhecer ainda, tenho a dizer que me sinto surpreendido com o quilate desta obra. Uma escrita fluente, madura, cheia de pitoresco, a fazer lembrar o melhor Saramago. Encontrei páginas luminosas, de antologia!

19 de maio de 2014

um parágrafo de Apollinaire

«Recuei de imediato, com medo de pisá-la. Receava fazer-lhe mal. Sentia uma piedade imensa pelo seu abandono. Mas, de repente, num acto de correspondência inexplicável, pareceu-me que ela me dava a entender  que era feliz, e que os seus soluços outra coisa não eram que soluços de ventura, que havia nela uma vida imortal que lhe permitia sobreviver ao corpo desaparecido e enlear-se em tudo o que este havia acarinhado. A felicidade dessa sombra era feita da sua presença nesses locais que havia frequentado.»

Excerto de «O passeio da sombra», conto de Guillaume Apollinaire, lido na sessão de 14 de Maio.

15 de maio de 2014

deus(es), consciência e outras energias

O QUE EU LI NA 2ª SESSÃO DAS QUARTAS - O BARÃO DE MINHINHONHÁ

Pelas conversações que o Imperador teve em Lisboa [D. Pedro II do Brasil], soube-se que existe no Rio de Janeiro – e é ilustre e preponderante – um homem que possui este título:
Barão de Minhinhonhá!
Se assim é – e se há ainda algum rasto de dignidade nacional, pedimos a intervenção enérgica do governo.
Um país não deixa esbofetear no estrangeiro os seus cidadãos, nem rasgar a sua bandeira: desforram-se à bala estas humilhações da honra.
Ora a bochecha do cidadão ou o paninho azul e branco não têm mais direito ao respeito público que a língua nacional. Arrastar pelo chão do grotesco, – uma língua – até ao vocábulo Minhinhonhá, é desfeitear a inteligência de uma nação, a austera dignidade da sua palavra, o verbo do seu pensamento, a literatura e a memória dos puristas, e a inviolabilidade da sua ideia.
Minhinhonhá – é uma nódoa, é um pingo de lama, é um traço de saliva, é um espapado de gordura, – na pureza altiva de uma língua, onde sucessivamente veio depor a essência da sua alma, a geração venerada que vai de Bernardim Ribeiro a Garrett.
Se os srs. brasileiros não podem coibir-se de vir para o português de frei Luís de Sousa e de António Vieira, deixar escorrer aquele melaço fluido e baboso que lhes sai dos beiços – quando falam – tenham a bondade de pôr entre a sua palavra e a nossa língua – uma bacia! Vocábulos daqueles não se depositam num dicionário respeitável, atiram-se para uma escarradeira. Os srs. brasileiros tenham a bondade de falar – para a rua, ou nos seus lenços!
E o governo, se tem dignidade, deve pelos seus agentes diplomáticos pôr cobro àquele extravasamento do brasileiro sobre o português de Camões. Os srs. do Brasil que dêem uma direcção à sua linguagem – de modo que não venha cair como um enxurro sobre os nossos dicionários que passam. Em último caso que a canalizem! E assim o brasileiro que tiver a expelir um período eloquente ou uma frase sublime, já não se aproxima da nossa gramática – dirige-se logo à sargeta!
Esperamos tranquilos as decisões dos poderes públicos.
(Fevereiro de 1872)
RAMALHO ORTIGÃO, As Farpas, coordenação de Maria Filomena Mónica, Cascais, Principia-Publicações Universitárias e Científicas, 2004, pp. 389 e 390.

8 de maio de 2014

da 1.ª Sessão das Quartas

Ontem leu-se variado e bem. Como estávamos no Museu Ferreira de Castro, foi a ele que coube inaugurar esta nova sessão das quartas: seguiram-se Pepetela, João Ricardo Pedro, Miguel Real, Franz Kafka, Eça de Queirós, Maria do Rosário Pedreira, Bertolt Brecht, Adelino Caldeira, e até dois folhetos: um sobre a morte de Alves Redol, em 1969, e a lista dos candidatos da CDE  no distrito de Lisboa, para o simulacro de eleições havido no mesmo ano, creio, com candidatos que dariam (e alguns ainda dão) que falar...  
Aqui ficam algumas linhas das minhas escolhas:

Ferreira de Castro, «Delfim Guimarães» (a propósito da morte do seu editor): "[...] Tenho conhecido muita gente. Uns, mascarados, às esquinas da vida; outros, colocados ao sol, espírito aberto à compreensão, que tudo justifica e tudo absolve, à solidariedade humana, ao amor pelos que sofrem e até por aqueles que parecem não sofrer... [...]". In Memoriam de Delfim Guimarães (1934)

Eça de Queirós, em carta a Jaime Batalha Reis, defendendo-se de não ter participado o seu casamento: "[...] Mil trovões! Estás tu certo disso? O quê! Eu não te disse que ia casar, -- falando de pé, com um gesto largo, lá na casa de Langham St.?... / Bem diz o Santo Antero, como ja o ensinara o Buda divino! Tudo é nada: só há aparencias: o universo é uma grande ilusão: a única realidade é o não-ser! [...]". Cartas Inéditas de Eça de Queiroz, Ramalho Ortigão, Batalha Reis e Outros (edição de Beatriz Berrini, 1987).

Sarah Adamopoulos, «A Marylin»: "[...] Todos os dias ela ia morrer. Acontecia-lhe em qualquer lugar. Podia ser no supermercado junto às arcas dos ultracongelados. Convencia-se de que ia ter um colapso cardíaco ou uma hemorragia cerebral e imaginava-se a cair e a ficar com a cabeça colada às embalagens dos panadinhos Capitão Iglo. [...]".  A Vida Alcatifada (1997)

Bertolt Brecht, «Desfile do povo alemão»: "Decorridos cinco anos nos disseram / que aquele que a si próprio se intitula / enviado de Deus já aprontou / sua guerra, os armamentos; / [...]".  O Terror e a Miséria no Terceiro Reich (1938 - tradução de Fiama Hasse Pais Brandão).

O olho de vidro

Uma coisa parecia certa: no dia vinte e cinco de abril de mil novecentos e setenta e quatro, faltaria ainda um bom bocado para as sete da manhã, Celestino apertou a cartucheira à cintura, enfiou a

Browning a tiracolo, verificou o tabaco e as mortalhas, esqueceu-se do relógio pendurado num prego que também segurava um calendário e saiu porta fora. O céu começava a clarear. Ou talvez nem sequer tivesse começado a clarear. Por cima das sopas de café com leite, Celestino emborcara, sem esforço, dois tragos de bagaço. O primeiro, para a azia. O segundo, para os pensamentos cismáticos, que ele, como, aliás, todos os traços fisionómicos sugeriam, era homem dado a prolongadas melancolias.
Por volta das onze horas da manhã, nenhum vento de mudança fora ainda sentido por aqueles que viviam da cruel aritmética dos alqueires, dos cinchos, das safras, das luas, das maleitas, das malinas, das geadas. Nos campos, homens e mulas rasgavam a terra em irrepreensíveis geometrias, enquanto, na penumbra dos currais, embaladas por ladainhas que os próprios lábios iam tecendo, as mulheres atestavam as gamelas dos porcos, das cabras, dos filhos. E, se alguém tivesse o desplante de interromper os seus laboriosos afazeres para lhes comunicar que, naquele preciso momento, o Presidente do Conselho de Ministros de Portugal se encontrava encurralado num quartel de Lisboa, cercado por soldados que exigiam a sua rendição, o mais certo seria obter como resposta um olhar de absoluta indiferença.
É que naquela pequena aldeia com nome de mamífero, encalacrada num sopé da Serra da Gardunha, voltada para sul sem consciência de que estava voltada para sul, a única exceção àquele total alheamento acerca dos destinos da pátria, como se a pátria fosse um lugar longínquo, era a casa do doutor Augusto Mendes, onde, numa espécie de gabinete de crise, se encontravam reunidas as suas mais ilustres personalidades: Adolfo, Bocalinda, Larau, padre Alberto, Fangaias e, claro está, o anfitrião, o doutor Augusto Mendes.
[...]
Excerto do primeiro capítulo de O Teu Rosto Será o Último, João Ricardo Pedro, Leia (BIS).
(Sessão de 7 de Maio de 2014)

Ficou vazio o teu lugar à mesa, Mª do Rosário Pedreira

à Avó
 
Ficou vazio o teu lugar à mesa. Alguém veio dizer-nos
que não regressarias, que ninguém regressa de tão longe.
E, desde então, as nossas feridas têm a espessura
do teu silêncio, as visitas são desejadas apenas
a outras mesas. Sob a tua cadeira, o tapete
continua engelhado, como à tua ida.
Provavelmente fiará assim para sempre.

No outro Natal, quando a casa se encheu por causa
das crianças e um de nós ocupou a cabeceira,
não cheguei a saber
se era para tornar a festa menos dolorosa,
se para voltar a sentir o quente do teu colo.

in A Casa e o Cheiro dos Livros, Gótica, Lisboa, 2002.

à minha mãe
(Sessão de 7 de Maio de 2014)

7 de maio de 2014

6 de maio de 2014

um romance canónico

Barranco de Cegos (1961) conta o fim de um tempo, entre o Ultimato inglês (1890) e o pós-5 de Outubro de 1910, e revela-nos uma família de grandes lavradores ribatejanos, cujo chefe é uma personagem inesquecível: Diogo Relvas, homem excessivo, cruel e reaccionário, fiel a uma tradição agrária que vê na terra as virtudes ancestrais duma nação, e no desenvolvimento industrial a condenação da pátria, motivada pela cupidez e pela ambição de poder de uma elite cega -- cegos conduzindo cegos, uns e outros na iminência de caírem num barranco, de onde dificilmente se sairá. Relvas carrega consigo o peso dos antepassados, regendo-se por uma ética abstracta, inflexível quanto ao essencial -- a manutenção do poder: simbólico, através dos cerimoniais do mando, e de facto,  pela posse efectiva do agro; inflexível no essencial, moderadamente maleável quanto a questões mais prosaicas. As restantes personagens, em especial os filhos, órfãos de mãe, débeis, volúveis -- um deles esmagado pelo peso excessivo do progenitor --, as duas filhas, Milai e Maria do Pilar, fortes e marcadas, complexas no lidar com o patriarca, dão profundidade ao romance. Outras personagens secundárias, em especial as populares, são também fundamentais; mas esta é uma história de senhores, homens senhores doutros homens.
No prefácio que escreveu em 1964, Mário Dionísio, que não era de elogio fácil e se afastara já do PCP, na sequência do Relatório Krushchov, não hesita em classificar o livro como "um dos grandes romances de toda a nossa história literária".
Barranco de Cegos é, com efeito, literatura da boa, da que conta, da que interessa, da que constrói identidade, da que dá substrato à comunidade de que emana -- e também da que experimenta, da que burila, da que arrisca. Para além de todas as classificações que cada vez fazem menos sentido, a não ser numa abordagem historiográfica, trata-se de neo-realismo, e do melhor -- isto é: não evidenciando a vulgata que simplifica e sectariza, é suficientemente amplo para ser subscrito por todos quanto comungam de preocupações afins, sem que com isso o autor traia (e se traia) o escopo ideológico que lhe subjaz. O final do romance, magistral, traz-nos uma atmosfera que dir-se-ia paralela à do realismo mágico, que o recém-falecido Gabriel García Márquez consagraria anos mais tarde.
Redol é, sempre foi -- mesmo no inaugural Gaibéus (1939) -- um romancista de raça, um criador de mundos, de atmosferas, de personagens de carne e osso. Barranco de Cegos evidencia-o de tal forma que -- para desgosto de alguns cadáveres -- se inscreve duradouramente no nosso cânone literário.

Em tempo: informou-me António Redol que Mário Dionísio saiu do PCP em 1951, antes, portanto, da divulgação do célebre Relatório (algo que eu cria ter lido na Autobiografia do próprio Dionísio,  mas, pelos vistos fui atraiçoado pela minha memória -- o que, infelizmente, é frequente). Substituí também o adectivo "incipiente", relativo a Gaibéus, pelo neutro "inaugural", menos equívoco quanto ao meu ponto de vista. 

5 de maio de 2014

Livros Vs Filmes

As sessões das quartas: alguns dos próximos convidados

O Clube de Leitura do Museu Ferreira de Castro passará a realizar-se também às quartas-feiras, entre as 18 e as 20 horas, excepto a última do mês. Ao contrário das sessões das primeiras sextas-feiras -- em que é debatido um livro previamente lido --, às quartas cada pessoa lerá para os restantes confrades contos, poemas, crónicas, correspondência, páginas de diário, excertos de romances, etc. Ferreira de Castro continuará a receber convidados no seu Museu: