Pelas conversações que o Imperador teve em Lisboa [D. Pedro II do Brasil], soube-se que existe no Rio de Janeiro – e é ilustre e preponderante – um homem que possui este título:
Barão de Minhinhonhá!
Se assim é – e se há ainda algum rasto de dignidade nacional, pedimos a intervenção enérgica do governo.
Um país não deixa esbofetear no estrangeiro os seus cidadãos, nem rasgar a sua bandeira: desforram-se à bala estas humilhações da honra.
Ora a bochecha do cidadão ou o paninho azul e branco não têm mais direito ao respeito público que a língua nacional. Arrastar pelo chão do grotesco, – uma língua – até ao vocábulo Minhinhonhá, é desfeitear a inteligência de uma nação, a austera dignidade da sua palavra, o verbo do seu pensamento, a literatura e a memória dos puristas, e a inviolabilidade da sua ideia.
Minhinhonhá – é uma nódoa, é um pingo de lama, é um traço de saliva, é um espapado de gordura, – na pureza altiva de uma língua, onde sucessivamente veio depor a essência da sua alma, a geração venerada que vai de Bernardim Ribeiro a Garrett.
Se os srs. brasileiros não podem coibir-se de vir para o português de frei Luís de Sousa e de António Vieira, deixar escorrer aquele melaço fluido e baboso que lhes sai dos beiços – quando falam – tenham a bondade de pôr entre a sua palavra e a nossa língua – uma bacia! Vocábulos daqueles não se depositam num dicionário respeitável, atiram-se para uma escarradeira. Os srs. brasileiros tenham a bondade de falar – para a rua, ou nos seus lenços!
E o governo, se tem dignidade, deve pelos seus agentes diplomáticos pôr cobro àquele extravasamento do brasileiro sobre o português de Camões. Os srs. do Brasil que dêem uma direcção à sua linguagem – de modo que não venha cair como um enxurro sobre os nossos dicionários que passam. Em último caso que a canalizem! E assim o brasileiro que tiver a expelir um período eloquente ou uma frase sublime, já não se aproxima da nossa gramática – dirige-se logo à sargeta!
Esperamos tranquilos as decisões dos poderes públicos.
(Fevereiro de 1872)
RAMALHO ORTIGÃO, As Farpas, coordenação de Maria Filomena Mónica, Cascais, Principia-Publicações Universitárias e Científicas, 2004, pp. 389 e 390.