30 de abril de 2020

RUBEN A. - AUTOBIOGRAFIA


Em Fevereiro de 1929, o vapor “Deister”, de bandeira alemã, naufragou à entrada  do Douro. Toda a tripulação, composta por vinte e quatro homens, bem como o piloto de barra português morreram.
O naufrágio é referido por Ruben A. no primeiro capítulo do volume I da sua autobiografia – O Mundo à Minha Procura –, que a ele assistiu com oito anos de idade. O navio havia encalhado e estava à beira de se despedaçar ante a fúria do mar. As gentes desciam da cidade até à Foz para assistirem à morte anunciada. E assim se passou com o pequeno Ruben, levado pelo Sezé carpinteiro, seu guardião e companheiro da idade da inocência na quinta do Campo Alegre, propriedade da avó, em cuja casa apalaçada vivia desde que os pais tiveram de partir para o Brasil.  
Desta casa disse Sophia, prima do escritor, em poema do livro O Nome das Coisas:
«Era um dos palácios do Minotauro / – o da minha infância para mim o primeiro / Ali o túmulo cego confundia / O escuro da noite e o brilho do dia (...)»
E sobre o «túmulo cego» em que se convertera o vapor alemão, escreveu Ruben A.:
«Confuso, não percebia bem a razão do naufrágio, ignorava as forças poderosas que os elementos guardam para as horas de expiação. Havia ali uma lei da morte que eu não compreendia. Aos poucos, a chuva miudinha fez desaparecer nos longes a silhueta de sarcófago, que era a do vapor no horizonte.
«Os sinos de Lordelo desafinavam ao transmitir as mensagens de perigo que o sineiro apressadamente marcava; as mulheres da fábrica do Robes, apanhadas de surpresa à hora do caldo, decidiram avançar por Serralves abaixo, meter ao Ouro e seguir pela marginal até mesmo à Foz, onde estava a desgraça. O pequenito, que era eu, só reparava que, de tanta confusão, os pássaros se haviam escondido e que mesmo o vento não falava, a não ser pela voz dos agoirentos.»
Na biografia de Ruben A., da autoria de Liberto Cruz e Madalena Carretero Cruz, diz-se: «Este primeiro contacto com a morte, quando não tem ainda nove anos, irá forçá-lo a compreender que a tragédia não era compatível com lamentos e choros. Era necessário admiti-la, por mais absurda que ela fosse ou se apresentasse.»
Além do mais, uma tragédia que permitiu criar umas belas páginas de escrita autobiográfica e o arranque poderoso de uma autobiografia.

Nota: Ruben A. refere o nome do vapor como "Deinster" e quanto ao número de tripulantes fala de «quarenta homens» que «encomendavam a alma aos deuses revoltos do mar».

29 de abril de 2020

contorções

«Lá fora, o vento vergastava o cais da estação e fazia torvelinhos com as folhas de choupo e os papéis velhos. Escondendo as cabeças entre os ombros, os dois soldados inverteram a marcha no final da plataforma e, dando o peito à ventania, regressaram dobrados num ângulo inverosímil.» João Pinto Coelho, Os Loucos da Rua Mazur, Lisboa, Leya, 2017, p. 199.

28 de abril de 2020

quadriculado

Homem dos Livros - Alfarrabista - Old Books - Livres Anciens ...«Fafe é uma terra que não se descreve num roteiro ou numa pincelada impressionista. Tem por lá tragédia de que fala o Camilo, e o Zé do Telhado funcionava lá nas redondezas. Em Fafe há sempre umas quadrilhas que dão febra e grandeza ao quadriculado do baixo Minho.» Ruben A., «Branca», Cores [1960], 2.ª ed., Lisboa, Assírio & Alvim, Lisboa, 1989, p. 14.

27 de abril de 2020

leitura em tempo de Covid-19 - «As mãos», de Júlio Dantas

Conto de um naturalismo já tardio, mas nem por isso mais artificioso, com fatal e esperável desenlace. Gosto do ritmo da prosa, períodos curtos, jornalísticos. Muito boa a descrição do brutal, mas pacificado, Manuel da Cruz.

Maria Júlia acordou em sobressalto. O coração batia-lhe com força. Tinha a testa inundada de suor e frio. A boca sabia-lhe a sangue. Fez um esforço intelectual para reconhecer onde estava. Na escuridão, sentou-se na cama, escutou, tacteou. As suas mãos encontraram uma massa morna, gelatinosa, arquejante. Era um homem. Era o seu companheiro de acaso naquela noite. Na torre de S. Paulo bateram as três da madrugada. Um cheiro acre a palha e a bafo sufocou-a. Dormia, mais uma vez, na hospedaria da Rua do Carvalho, tão conhecida já dos seus dois anos de miséria. O calor viscoso daquele corpo fê-la estremecer; sentiu crispar-se-lhe a pele num movimento instintivo de repugnância. Quem seria aquele homem? Mal tivera tempo de o ver. Deixara-lhe a vaga impressão dum casacão amarelo, duma voz rouca, duma barba hirsuta e grisalha, duns braços possantes que a tinham sacudido, apertado, calcado. Ficou uns minutos na treva, a ouvi-lo respirar. Era o ronco brutal e pacífico dum animal que dorme. Imóvel, a respiração quase suspensa, Maria Júlia esperou, com a resignação das abandonadas, que clareasse a manhã. Os lençóis de estopa ardiam-lhe na pele. Zumbiam-lhe os ouvidos. Quis adormecer. Não pôde. Passavam-lhe pela cabeça, num tropel, os horrores da sua vida inteira. Reviveu toda a sua infância aos pontapés; o abandono, o asilo, o hospital, a fome; a mãe morta, com as veias abertas, numa poça de sangue; o pai embarcado para o Brasil quando ela tinha sete anos; os vizinhos a gritarem-lhe no pátio: -- «Manuel da Cruz, tenha dó da criança, que é sua filha!»; -- e na escuridão, na imobilidade, no silêncio, adivinhando cada vez mais vivo, mais mordente o calor daquele corpo desconhecido, Maria Júlia sentia as lágrimas a escaldarem-lhe a cara, o peito a arquejar-lhe com força, e toda a cama tremia já do arranco dos seus soluços. A obscuridade oprimia-a; a cabeça andava-lhe à roda; vacilou, numa vertigem; acendeu a luz. O homem dormia serenamente, de costas, a barba empastada de suor, o arcaboiço largo arfando numa camisola velha de mescla azul, a mão direita espalmada sobre o peito. Maria Júlia levantou a vela, debruçou-se, observou-o -- estremeceu. Os olhos fixaram-se-lhe, redondos de pavor, naquela mão espessa, maciça, enorme, queimada de tabaco, eriçada de pêlos ruivos, onde brilhava um anel de prata. Cambaleou. Dominou-se, para não gritar. Tinha conhecido, na sua infância, umas mãos assim. A tremer, aproximou a luz da cara do homem -- e olhou-o, e fitou-o ansiosamente. Uma expressão de dúvida horrível crispou-lhe as feições. Seria ele? Não seria ele? Num lampejo, pensou em tudo -- em sacudi-lo, em acordá-lo, em fugir, em gritar, em esmigalhar a cabeça de encontro às paredes. Num esforço de todas as suas reminiscências infantis, olhou ainda, uma vez mais, aquela mão musculosa, ruiva, felpuda, possante como uma pata de fera. Queria saber, queria ter a certeza. Atirou-se para os pés da cama. O sangue ardia-lhe nas faces. Perdida, ofegante, travou das roupas do homem -- revolveu-as, rebuscou-as, despedaçou-as. Achou uma carta, um sobrescrito com um nome. Abriu os olhos, fitou esse papel mudo onde estava escrita a sua sentença. Não sabia ler. Numa angústia, num desespero, sustendo a respiração, calçou-se, vestiu-se, atou o lenço, embrulhou-se no xaile -- e, com os dedos fincados na carta, desceu a escada de roldão. Era madrugada. Uma lufada de ar fresco bateu-lhe na cara. Na rua, a luz azulada da manhã alastrava como uma névoa. Maria Júlia correu a um polícia, que cabeceava encostada a um candeeiro ainda aceso, e pálida, opressa, mal podendo falar, pediu-lhe que lesse o nome escrito naquele papel. O guarda encarou-a, viu a carta e leu:
-- Manuel da Cruz.
Diante dele, Maria Júlia caiu sem um grito, como um corpo morto.

De
Mulheres (1916); antologiado por João Pedro de Andrade em Os Melhores Contos Portugueses, Lisboa, Portugália, 1959, pp. 79-83.




24 de abril de 2020

EPHEMERIDES

23 DE ABRIL DE 1564 (456 ANOS)
W. SHAKESPEARE







"Conservar algo que possa recordar-te seria admitir que eu pudesse esquecer-te"

23 de abril de 2020

leitura em tempo de Covid-19: uma máxima sobre a máxima, de José Bacelar

José Bacelar, um moralista à antiga e à francesa. Arte de pensar (n)o cerne, ainda hoje menos actual, pois que parecemos caminhar, nos que às Humanidades respeita, para um novo período em que o pensar se atomiza em círculos cada vez mais restritos. Como, na Idade Média, nos mosteiros.
Livro extraordinário, cuja leitura vivamente se recomenda.
José Bacelar (1900-1960), médico, ensaísta, colaborador da Seara Nova, presença  e Revista de Portugal.


«Uma máxima não pretende defender um ponto de vista ou indicar uma direcção; uma máxima constata, simplesmente. Não é pois um género actual.» (do «Prefácio»)


José Bacelar, Revisão -- Anotações à Margem da Vida Quotidiana, Lisboa, Portugália Editora, 1935.

21 de abril de 2020

dos pontapés

«Dir-se-ia, assim de perto, amolgado e pisado como um fruto que caíra da sua banca no mercado e tinha sido pontapeado para cá e para lá pelas pessoas que andavam às compras.» Philip Roth, A Mancha Humana [2000], trad. Fernanda Pinto Rodrigues, 2.ª ed., Alfragide, Leya, s.d., p. 31. 

20 de abril de 2020

em especial quando é habitada...

«Poderá uma casa ter um corpo, uma alma?» Richard Zimler, O Último Cabalista de Lisboa [1996], trad. José Lima, Porto, Porto Editora, 2013, p. 37.

18 de abril de 2020

leitura em tempo de Covid-19 - «Vila d'Arcos», de Sophia de Mello Breyner Andresen

Magistral na concisão e na precisão de cada palavra; uma poética aberta a leituras sobre leituras, alegoria da vida e sobrevida esperada.


VILA D'ARCOS
Sophia de Mello Breyner Andresen

Vila d'Arcos fica ao Norte, um pouco para Leste, numa região de montanhas. É uma cidade de província e pequena com ruas empedradas em torno da catedral enorme como um navio de eternas viagens. As suas casas antigas -- nobres mesmo quando pobres -- são proporcionadas com justeza desde o degrau da escada até ao quadrado da janela, desde a balaustrada da varanda até à superfície da parede de granito sem reboco onde só a pedra de armas com arruelas, grifos e leões é grande demais sobre os ferros e as madeiras desconjuntadas da porta; como se no mundo em que estamos nada importasse, nem o frio do granito, nem a estreiteza sombria dos quartos, nem a pobreza monótona dos dias, mas só importasse a nobreza que mostramos à luz e que é o projecto da nossa alma.
É uma cidade antiga onde estagnada se desagrega e se dissolve lentamente uma vida desvivida gesto por gesto, sílaba por sílaba.
Os carros gemem ao longo das ruas empedradas. Passam poucos homens e rápidas mulheres vestidas de preto e em Maio as roseiras florescem nos muros que o Inverno cobriu de musgo. Por trás da portada verde da pequena janela da casa de esquina uma mulher de olhos agudos, muito juntos e castanhos, vê tudo, sábia e arguta, terrivelmente atenta, como se o seu olhar lesse e amparasse o desacontecer das coisas. Há jardins imprevistos, mais subtis e complexos do que o imaginável, onde crescem altas magnólias, com grandes flores brancas de pétalas profundas e largas, macias e espessas e onde a água de prata que irrompe da boca dos golfinhos de pedra cai nos pequenos tanques oitavados. Jardins de buxo, camélias e violetas perfumados de contemplação e paixão, de esquecimento e silêncio. Jardins docemente abandonados a uma solidão dançada pelas brisas, enquanto um longo sussurro de adeus acena de folha em folha nos ramos mais altos das árvores. Jardins onde reconhecemos que a nossa condição é não saber. É não poder jamais encontrar a unidade. E encontrar a unidade seria acordar.

1972

 
Sophia de Mello Breyner Andresen, Histórias da Terra e do Mar, Lisboa, Edições Salamandra, 1984.

16 de abril de 2020

EPHEMERIDES

16 DE ABRIL DE 1889 (131 ANOS)

ALBERTO CAEIRO






Aquela senhora tem um piano
Que é agradável mas não é o correr dos rios
Nem o murmúrio que as árvores fazem...

Para que é preciso ter um piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza.

15 de abril de 2020

EPHEMERIDES

15 DE ABRIL DE 1919 (101 ANOS)
FERNANDO NAMORA






"São quilómetros tortuosos, noites fechadas de névoa, olhos e ouvidos varando as sombras, e o rumor alcoviteiro do vento que desce das malhadas da serra."

(A Noite e a Madrugada)

leitura em tempo de Covid-19 - «Notas para fazer um conto», de Maia Alcoforado

 
Um texto, como tantos outros, de exaltação da terra de adopção, introduzindo de um característico do lugar, que sempre os há. Mas também há expressões que me fascinam, denotando um trabalhar lúdico das palavras: "para aqui me cuspiu um solavanco brusco e destrambelhado da carripana que nos transporta do berço à sepultura", "brincalhotando no ar a chuva miúda"; "amesend[ar-se] com a morte".


NOTAS PARA FAZER UM CONTO…
Maia Alcoforado






Ao Carvalhão Duarte


Ao cabo da estrada que de Cantanhede fica apontada ao mar -- uma recta enorme, tamanha como uns dez quilómetros bem puxados, enfadonha e triste, com três montes de casas poisados nas ilhargas e alguns fornos de cal enrodilhando de fumo negro a ramaria dos pinheiros -- velhos, com mais de um século e altos como alarves -- aparece-nos de enfiada na ponta do nariz a Vila de Mira, que, ao contrário de Cantanhede, comarcã e burguesa, afidalgada e petulante, não tem na sua monografia capítulo de monta, nem réstia forte de alambicada pretensão... Terra de gente ordeira que o vinho em dias de arraial ou de mercado não torna ruim, trabalhadora e honesta, com uma percentagem que mal se enxerga em pilhas e madraços, ciosa dos bens que por direito de herança aferroa e arrecada com jeito económico, mas sem modos de usura -- para aqui me cuspiu um solavanco brusco e destrambelhado da carripana que nos transporta do berço à sepultura, num dia aziago, de sol esplêndido e luminoso, brincalhotando no ar a chuva miúda do seu pólen doirado...


O povo mirão que anda à bulha com o mar uma grande parte do ano, porque é pescador que se arroja e atreve com as suas charrafuscas e motins e que desentranha a terra a golpes de enxada e amamenta os filhos nas arrevezadas lições do trabalho -- precisa que, de quando em quando, falem dele nestes lençóis onde se esculpem letras e estampam gravuras, porque anda até os gornes da garganta farto de tanto ostracismo que o tolhe e engarrafa.» Pois se é raro o mapa onde se topa o nome da terra... -- e tem foral, que recebeu das mãos venturosas do Senhor D. Manuel I e é concelho antigo e mais remoto fora se Cantanhede não lhe tivesse, sorrateiro, surripiado a primeira autonomia há mais de trinta anos...


Foi aqui que em 1856, a 26 de Março, se amesendou com a morte o mavioso e rebelde Francisco Joaquim Bingre -- o Francélio Vouguense da Nova Arcádia -- e que, aquando da fúria pombalina, se agacharam parentes dos Távoras -- de quem ainda agora há restos, numa degenerescência vulgar, doentia e inútil...


O solo é fecundo, porque de bem trabalhada no alqueive não há leira que não resplenda, nem brilhe; quintal que não sorria para a gente com o seu pomar e a sua horta; vinhedo que pelo São Tiago não tenha os bagos pintados, limpos, carnudos -- que os pardais depenicam numa orgia arreliadora de amarrotados gorjeios...


De um lado o mar; do outro, a gândara -- a enfaixá-la, a cingi-la, em sombras e em claridade.


O mar estrebuchando a toda a hora de encontro às casas dos pescadores, feitas de madeira velha e de originais feições -- a escoucinhar na areia e às trombadas nas dunas, berrando como um doido, barafustando de espinha dorsal erguida como tirano a quem não arrefece a ira


A gândara, silenciosa e erma, de pinheiros hirtos como a soldadesca impávida que não se move nem pestaneja e por onde vagueiam sombras de que não se entendem as formas à maneira que o sol desanda na sua elipse -- alinhavada de carreiritos estreitos que em certa quadra do ano as moças que vão à cata das pinhas, à caruma e ao rapão, palmilham de bustos alçados e quadris coleantes, num formigueiro polícromo e alegre...


E, já que falo das moças, deixem-me concluir: -- nenhuma delas possui beleza clássica que entonteça, ou que perturbe, mas não lhes escasseia a graça dum sorriso tentador, e elegância fenícia, delevelmente mutilada e a luz vibrante duns olhos copiada da luz do sol à hora rútila das sestas...


Anda por aqui um doido que, como uma sombra, viscosa como a lama e trágica como o perfil de todas as sombras que o dedo maldito do fatalismo desenha e imprime nas paredes negras de certas vidas, leva as manhãs num vozeirão de tribuno, pletórico de frasalhões aprendidos e decorados no tempo em que ainda tinha juízo, a correr as ruas a assaltar quem passa, protestando cóleras e inflingindo insultos, àquilo que ele supõe ser o morbus que destrói e deteriora os alicerces milenários da sociedade e do mundo, da civilização e dos costumes...


É alto e forte como as paredes mestras dos antigos castelos.


O seu carão moreno, semeado de rugas profundas, onde baila e vibra a chama azul e ingénua duns olhos que eu vi algures descritos nuns versos de Espronceda, tem a expressão indómita dum batalhador que não se deixa vencer a golpes de cutelo...


Às vezes fico-me a pensar se este doido que anda por aqui, só nas manhãs em que o sol doira os prados e as veigas, namorado da luz, arremedando com a sua cabeleira que lhe cai desmazeladamente sobre os ombros, os Apóstolos e os revolucionários, não devia ser cuidadosamente escutado por tantos que por aí andam a semear teorias e a impingir princípios -- de que nunca se vêm os fins...


Talvez que aprendessem com o doido -- com este doido que num vozeirão de tribuno, apregoa, em frases onde abunda o bom estilo e onde não escasseia a ironia que contunde, fere e faz sangrar, aquilo que para ele e para muitos que passam por doidos, mas que têm juízo às carradas -- é a traça e o gorgulho que dizima e rói as aduelas do mundo e as arcadas sobre que assenta a civilização...



1945


Paisagem do Dia Ausente, Porto, Edições AOV, 1947

11 de abril de 2020

leitura em tempo de Covid-19 - «Lázaro», de Gabriele D'Annunzio

Terra Virgem (1882) é o primeiro livro em prosa de D'Annunzio (1863-1938), muito influenciado ainda pelo chamado verismo literário. O cenário decorre nos Abruzos, região da Itália central, na costa adriática, de onde o escritor era natural, e as figuras que perpassam pela maioria dos contos são seres rente ao chão, vadios, aleijados, raparigas inocentemente sensuais, rapazes largados à sua sorte, acabando por cansar um pouco o desfile de abortos e desgraçado atavismo. Mas há um enlevo para com a paisagem, que em parte condiciona os indivíduos, que acaba por redimir a obra. O último conto, «Lázaro» sintetiza, no seu inefável horror, boa parte destes contos.

LÁZARO
                                  Gabrielle D'Annunzio

Estava de pé, em frente da barraca, meio embrutecido, amortalhado num fato de malha sujo, que se lhe rugava nas barrigas das pernas esqueléticas; fitava o campo lívido, taciturno, entristecido pelas poucas árvores despidas de folhagem, que se erguiam esguias por baixo dum dossel de nuvens pardacentas, humedecidas pela neblina. Fitava o campo lívido e o clarão sinistro da fome incendiava-lhe o negrume dos olhos. A barraca, coberta de lona encharcada pela chuva, assemelhava-se na penumbra a enorme animal, todo ossos e pele flácida.
Passaram um dia sem comer; os últimos bocados de pão havia-os devorado naquela manhã o filho, esse pequeno monstro humano, de crânio calvo e separado como esférica abóbora. Ele, porém, o mísero, tinha o ventre mais vazio do que o tambor no qual rufava, para atrair os curiosos e exibir o horrível fenómeno a troco dalguns cobres. Não se enxergava, porém, alma viva e a criança jazia dentro da barraca, deitada num montão de velhos farrapos, as pernas contorcidas, o busto deformado, matraqueando os dentes num acesso de febre, enquanto o rufar das baquetas na pele do tambor lhe produzia espasmos dolorosos nos temporais.
Do céu escurentado tombava uma chuva miudinha, persistente, raivosa, que, por toda a parte se infiltrava, encharcava até à medula, gelava o sangue.
rufar do tambor perdia-se sem eco na tristeza do crepúsculo outonal; e Lázaro rufava, rufava de pé, lívido, triste, cravando o olhar angustiado na sombra como para descortinar nela algo que devorasse, apurando o ouvido a cada momento na ânsia de ouvir as vaias de alguns borrachos que se aproximassem. Por duas ou três vezes se voltou para examinar o ignóbil farrapo de carne viva, que arquejava estendido por terra, e, de todas, os olhos do mísero fixavam outros onde se lia a suprema dor.
Não se avistava vivalma. A sombra dum cão surgiu duma viela negra, passou com rapidez em frente de Lázaro, cauda entre as pernas, e parou por detrás da barraca para esburgar um osso encontrado Deus sabe onde. O tambor calava-se; rajadas de vento faziam turbilhonar folhas secas arrancadas dos galhos das carvalheiras. Pairou seguidamente pávido silêncio, silêncio apenas quebrado de vez em quando pelo rosnar do cão, o surdo rumor das cordas de água fustigando a lona branca e o estertor da criança -- um estertor que parecia sair duma garganta mutilada.

Gabriele d'Annunzio, Terra Virgem, trad., M. L., Lisboa, Editorial Minerva, 1955.

10 de abril de 2020

EPHEMERIDES

10 DE ABRIL DE 1924 (96 ANOS)

SEBASTIÃO DA GAMA




PEQUENO POEMA

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

9 de abril de 2020

PARA SEMPRE, Vergílio Ferreira e histórias de padres

Por conselho de gurus, no nosso CL, mergulhei na leitura de PARA SEMPRE do meu vizinho Virgílio Ferreira. Um mergulho, sublinho. Mas vou ficar pelas margens.
Um dos personagens, recorrentemente invocado, é "o padre Parente", e é a partir dele que venho partilhar...
Escreve o autor: «... um homem fardado na plataforma, tinha uma corneta, seria o chefe? Nós olhámo-lo e subitamente, que estranho. Era o dente saído, o olho azul, o jeito de erguer de lado a cabeça, tudo. Tia Joana não aguentou mais. Dirigiu-se ao homem, nós atrás:
- O senhor desculpe. Mas é alguma coisa ao senhor padre Parente?
- Sou filho.
Tia Joana varada.»
Ora, por esta altura, se, em Manteigas, alguém tivesse perguntado a Ana (que o povo complementara com a alcunha de Parente), "A senhora desculpe. Mas é alguma coisa ao senhor padre Parente?", a resposta, talvez encabulada... ou talvez não, teria sido "Sou filha".
Coincidência?!
Padre António de Jesus Hipólito Parente, pároco de Melo, que Virgílio relembra como músico qualificado e devotado, era irmão de padre Joaquim Dias Parente, excelente músico e intérprete, que paroquiava em Manteigas, freguesia de Santa Maria, onde me batizou.
Genialidades semelhantes, como vemos.
Com o irmão José, farmacêutico na Covilhã, outro génio notado em guitarra, deram concertos em Melo (até para o bispo, em visita), terra de Virgílio Ferreira, e em Manteigas, minha terra.
O padre Joaquim tocou mesmo em Roma, perante Pio XI, que se comoveu (cito).
Para não me alongar, além de referir que este Pe. Joaquim foi convertido em "padre Barradas", por Ferreira de Castro, em A Lã e a Neve, e que eram família de  oito irmãos, uma delas, Maria do Rosário, também personagem castriana, falarei apenas de mais uma história... de padres.
O padre Pedro da Fonseca, meu professor de português e literatura, foi colega de Virgílio Ferreira no seminário do Fundão, e guarda dele a mesma visão tenebrosa do nosso autor. Defensor acérrimo da abolição do celibato obrigatório, não teve a coragem, por causa do amor acrisolado à mãe, de seguir o exemplo do colega, dois anos mais velho. Viveu amargurado toda a vida. Ponto.
Referências: Fotografia dos irmãos Parente, com a mãe e uma personagem não identificada.
Deixo ainda, pelo interesse, uma ligação sobre os padres Parente:

8 de abril de 2020

prosa e poesia, a propósito de uma epígrafe de T. S. Eliot

A epígrafe deste volume de contos de Ruben A., Cores (1.ª edição, 1960), é um excerto dos ensaios de T. S. Eliot sobre poesia, fragmento cuja exegese só por si daria um livro. Eliot defende o equilíbrio e a musicalidade na estrutura interna de um poema através da modulação da forma, da intensidade e emoção que transmite, terminando com a ideia de que nenhum poeta poderá produzir um longo poema digno desse nome se não for um mestre da prosa. Ruben A. (nome literário do historiador Ruben Andresen Leitão) é um mestre da escrita, cada palavra é necessária no preciso lugar em que foi empregue. Isto para dizer que a grande prosa deve ser sempre servida por um carácter poético que a torne pelo menos encantatória aos olhos que no momento da leitura exercem também função "auditiva", contrariando a oposição simplista entre texto poético e texto prosaico.

7 de abril de 2020

EPHEMERIDES

7 DE ABRIL DE 1893 (127 ANOS)

ALMADA NEGREIROS







"Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas; só faltava uma coisa: salvar a humanidade"

6 de abril de 2020

RUBEN ALFREDO ANDRESEN LEITÃO

ENQUANTO NÃO RECEBO O LIVRO DA SESSÃO DE MAIO, vou passando os olhos por esta biografia que fazia prolongada quarentena na minha estante. Diz-se na página 136: «Os contos de Cores são meticulosamente portugueses; o seu autor recorre à fantasia para descrever o conformismo e o paradoxo de tanta vida sem cor. Avesso às cores distribuídas, o narrador insurge-se contra tão descromática vivência, tão deslavada presença humana. Para o conseguir mistura, de forma inconfundível, a razão e a ternura, a sageza e a tolerância.» Bem, falando-se de fantasia, outra coisa não esperava de Ruben A.
Aproveito para informar os colegas que pedi o livro à Bertrand, via mail. Não estive para me envolver nos meandros da livraria online com registos e registinhos, cestos de compras, checkouts e não sei mais o quê. Dizem que me vão dar as referências para fazer o pagamento e depois procedem à entrega. Estou para saber é quanto tempo levará a coisa...

5 de abril de 2020

AINDA AS "100 CARTAS"


Encerrando, pela minha banda, o tema das “100 Cartas”, refiro-me às de Jorge Amado (p. 48) e Alves Redol (p. 146).
Como vem sendo hábito, faço a partir de ambas algumas considerações de ordem particular e pessoal.

= 1ª, de JORGE AMADO, datada de 10 de Setembro de 1934.
A carta é escrita do Rio de Janeiro para onde o escritor se havia mudado em 1930, ingressando no ano seguinte na Faculdade de Direito. Parte importante é sobre o romance em preparação Jubiabá, a história de António Balduíno, menino pobre da cidade de Salvador que foi crescendo e ganhando consciência da sua condição de explorado. Pai Jubiabá, cujo nome dá título ao romance, é muito mais que um macumbeiro ou pai-de-santo, é a personagem que representa, também pela língua, a ancestral cultura ioruba dos escravizados. Pai Jubiabá não percebia nada de greve, diz Balduíno, mas conhecia a história e o sofrimento do povo escravo de África.
Este livro estava agendado para a sessão de Março da Comunidade de Leitores de São Domingos de Rana. A discussão foi sendo feita no blogue, tal como aqui, e no dia próprio – 27 de Março – teve lugar uma discussão virtual na página da Comunidade no facebook. Esta discussão recebeu 69 comentários e teve 39 visualizações.
= 2ª, de ALVES REDOL, datada de Agosto de 1950.
É uma carta em torno do romance  A Curva da Estrada, romance que tem tanto de psicológico como de mensagem ética e política. De acordo com o texto do Pórtico, Redol reconhece nele os gérmenes duma grande peça de teatro, e como que incita o escritor a realizar essa transposição: «Está ali uma grande peça de teatro, sem dúvida também. Nada lhe falta para conquistar o tablado; mas pelo seu prefácio parece deduzir-se que não está tentado a fazê-lo. Que galeria de tipos e de caracteres!»
De Alves Redol, Fanga foi o primeiro livro que li, ainda na adolescência, pois o meu pai – operário da Ford Lusitana – tinha uma tosca estante em que se aglomeravam livros como este, alguns de Júlio Verne e Júlio Dinis, mais uns tantos como A Rosa do Adro e outros comprados em fascículos depois agregados em encadernações baratas, como A Toutinegra do Moinho. Este, em vários volumes, é referido por Saramago n´As Pequenas Memórias. Era uma literatura ingénua de consumo tipicamente popular. Mais tarde reli A Fanga com outros olhos e também Gaibéus, Avieiros e Barranco de Cegos, a obra-prima do escritor de Vila Franca.
Nota: as imagens reproduzidas correspondem aos livros em meu poder - a edição de Jubiabá, livro usado, que recentemente me chegou às mãos; e o Fanga velhinho da estante do meu pai. 

4 de abril de 2020

- 100 cartas a Ferreira de Castro - XL


Meus amigos do Clube de Leitura

Tenho que admitir, que nestes tempos de pandemia as minhas leituras têm andado bastante....direccionadas!  Mas isso pode ter uma explicação, como me escrevia o meu irmão há uns dias já do seu reduto em autoisolamento. E porque é de cartas que tratamos agora, passo a transcrever: “ Agora que virámos todos filósofos e procuramos o sentido da vida, versão Monty Python, não há como seguir os que já pensaram a coisa. «Sobre o futuro todos se enganam. O homem não pode estar seguro que do momento presente. Mas será isto verdade? Pode verdadeiramente conhecer o presente? Terá a capacidade de julgar? De certeza que não. Como é que aquele que não pode conhecer o futuro, poderia conhecer o sentido do presente? Se não sabemos a que futuro o presente nos conduz, como podemos dizer que este presente é bom ou mau, merecendo a nossa adesão, a nossa desconfiança ou o nosso ódio?» Milan Kundera”

             Sim, tenho andado à procura do sentido da vida e a reler muito devagarinho quem já pensou as coisas .“ (...) nesse momento, o ruir da sua coragem, da sua vontade e da sua paciência era tão brusco que lhes parecia que não poderiam jamais sair desse precipício. Então sujeitaram-se a não pensar no termo da sua clausura, a não voltar o olhar para o futuro e a conservar sempre os olhos baixos.  Mas, naturalmente, esta prudência, esta maneira de enganar a dor, de bater em retirada para recusar o combate, eram mal recompensadas. Ao mesmo tempo que evitavam este abatimento que não queriam por nenhum preço, privavam-se com efeito, desses momentos bastantes frequentes em que podiam esquecer a peste nas imagens da sua futura reunião. E, assim, encalhados a meia distância entre estes abismos e estes cumes, mais flutuavam do que viviam, abandonados a dias sem sentido e a recordações estéreis, sombras errantes que só poderiam ter ganho força aceitando criar raízes na terra da sua dor.
             Experimentavam assim o sofrimento profundo de todos os prisioneiros e de todos os exilados que vivem com uma memória que para nada lhes serve. Este próprio passado em que eles reflectiam sem cessar tinha apenas o gosto do arrependimento (...) Impacientes do presente, inimigos do passado e privados do futuro, parecíamo-nos assim bastante com aqueles que a justiça ou o ódio humano fazem viver atrás das grades. Para terminar, o único meio de escapar a estas férias insuportáveis era, pela imaginação, fazer andar de novo os comboios e encher as horas com o tinir repetido de uma campainha, contudo, obstinadamente silenciosa” A. Camus, A Peste, Livros do Brasil, 2016, pp.69-70
            
           Agora, andando eu tão pensativamente atarefada com questões filosóficas, tinha para ler as 100 Cartas a Ferreira de Castro que tão bem o Ricardo António Alves, seleccionou, comentou, anotou e, melhor ainda, nos ofereceu!

           Ao folhear, tropecei  numa e fiquei-me logo por ali. “Muito obrigado pela sua carta e pelos seus livros (...), os livros vieram-me lembrar aquele período da minha vida em que há muito de descoberta, de revelação e ao mesmo tempo de mistério (...) Nessa altura eu tinha uma sede de conhecimento enorme, e lia tudo, com uma pressa incrível. (Só mais tarde aprendi que um livro se deve ler devagar, com calma, para conseguirmos tocar, quando a inteligência e a sensibilidade o permitam, o mundo que o autor nos oferece). Durante anos li muitos livros, esqueci outros e reli alguns. Tive prazer em encontrar de novo o Pavel, a Ana Karenine, o Manuel [da] Bouça e o Juvenal, desta vez com mais compreensão da minha parte e já na companhia de Jean Christophe, de João, de Sérgio, Jim, Robert Jordane até mesmo de Lewis Alison.
Durante esses anos aprendi também que, apesar da desgraça comum, nem todos os homens tinham boa-vontade, dignidade e compreensão. E mais – que grande parte dos artistas tinham em si uma secura, uma desumanidade e um desenraizamento tal, que fariam estremecer as pedras, se os seus dedos as tocassem.
   Aqui tem, Ferreira de Castro, um dos motivos da minha admiração por si. Sei que v. lutou sempre por uma dignidade humana e para a construção dum mundo melhor. Como intelectual v. esteve sempre ao lado dos que queriam gritar e o seu grito não passava da garganta. Por isso os seus homens da Selva, dos Emigrantes, da Terra Fria, são vivos, são autênticos. Por isso nós precisamos de homens como V.” Carta de Eugénio de Andrade, Castelo Viegas, Abril 46 

           Imaginando que estou ao pé de vós na nossa tertúlia mensal, pergunto-vos: quem seriam essa "grande parte dos artistas" que E. de A., refere? E a mim, pergunto-me: Se eventualmente os li, será que com esse conhecimento os releria com um sentimento diferente? (estou a lembrar-me do O. Pamuk, n´O Romancista Ingénuo e o Sentimental...)

         Ricardo, confirma-se que o personagem Lewis Alison, poderia ser de um livro de  Charles Langbridge Morgan (1894-1958)? Em A Fonte, publicado em 1932, Lewis A. é um oficial inglês que está preso num castelo holandês durante a Primeira Guerra Mundial, para quem a prisão significa, de algum modo, a liberdade de se poder dedicar somente à leitura, meditação e a um livro que ele próprio está escrevendo.  Charles Morgan, foi ele próprio oficial subalterno na Divisão Naval do Churchill, enviada para a defesa de Antuérpia e esteve prisioneiro na Holanda.

Um abraço saudoso,
Sara Fonseca Ferreira

3 de abril de 2020

100 CARTAS A FERREIRA DE CASTRO

SANT'ANNA DIONÍSIO


Entre 2012 e 2015, li e reli, a pente fino, estas 100 Cartas a Ferreira de Castro.
Deixo a transcrição de uma das que mais gostei, pelo conteúdo e pelo tom, simultaneamente coloquial e seco.
Foi remetida a partir de S. Miguel da Carreira, Minho, a 22 de Setembro de 1934, por Sant'Ana Dionísio, principal mentor e promotor dessa obra espantosa e única da Geografia e da Ecologia Humana do nosso país que é o Guia de Portugal.

pp. 51-52:
Meu caro Ferreira de Castro
O que é feito de Você? Que lhe deu este verão? A mim quase nada de aproveitável, além do ar dos pinheiros. Tenho tido mais do que uma vez, em cada dia, nesta temporada de lagarto, a ideia-desejo de lhe escrever mas o diabo do deixa-para-logo não me tem deixado tomar o papel e riscá-lo. - «De resto - dirá V. com os seus botões - que terá o Santana [sic] que dizer-me se aqui em Lx, morando a dois passos um do outro, só nos encontrávamos como se um tivesse casa em Sagres e outro no Soajo? É de facto justo o seu resmungo. A verdade porém é que não há nada mais hostil à convivência que a raiva surda de que anda possuído quando se anda a empurrar um livro. A gente quase se faz feroz. Agora que estou por um ou dois meses em deliberado chômage, se aí estivesse, apareceria podos os dias, tenho a certeza. Havíamos de arrumar um pouco melhor aquela questão que esboçámos sobre a interpretação do suicídio. Tem pensado ainda nisso? Se leu o livro, que lhe pareceu esse ponto? 
"O Século" não publicou uma linha, sequer, que eu saiba, sobre esse mono. Se fosse um livrinho de versos de uma menina histérica até vinha retrato. ..
Diga daí alguma coisa. Estarei ainda por aqui até ao dia 1 de Outubro. No dia 6 devo descer a Lx talvez para embarcar de novo para a Madeira. Gostaria de receber antes duas palavras. Do livro não faça caso. Fale de si e dos seus projectos.
Um abraço do 
Sant'Ana Dionísio

ACC




NOTA:
Esta publicação é a reprodução (excepto o título e a imagem) de um comentário escrito pela Cristina Carvalho (ACC) a uma antecedente publicação minha tendo por objecto uma carta de Maria Archer. 
Bem tentou a autora publicar directamente mas, por falta de credenciais, viu-se impedida...
F.Faria


2 de abril de 2020

EPHEMERIDES

2 DE ABRIL DE 1840 (180 ANOS)

ÉMILE ZOLA







"A verdade marcha e nada conseguirá detê-la"

"O sofrimento é o melhor remédio para acordar o espírito"

(Amanhã, primeira sexta, estaríamos no "cenáculo" (desculpe quem achar de mau gosto, mas aquele baú invertido faz-me lembrar) a discutir as "100 CARTAS A FERREIRA  DE CASTRO, se não fosse o inimigo invisível que pôs a humanidade de joelhos...
Abraço a todos os confrades e que no próximo mês lá possamos estar, às voltas com as CORES de Ruben A.!)