«Idílio rústico». «Quando atravessou a povoação, rua abaixo, com o rebanho atrás dele, era ainda muito cedo.»
Trindade Coelho, Os Meus Amores [1891], Mem Martins, Publicações Europa-América, s.d.
«Idílio rústico». «Quando atravessou a povoação, rua abaixo, com o rebanho atrás dele, era ainda muito cedo.»
Trindade Coelho, Os Meus Amores [1891], Mem Martins, Publicações Europa-América, s.d.
«O jantar do bispo». «A casa era grande, branca e antiga.»
Sophia de Mello Breyner Andresen, Contos Exemplares [1962], 4.ª ed., Lisboa, Portugália, s.d.
«Mary virara-se outra vez de costas e Giovanni quis adivinhar-lhe a direcção dos olhos, acompanhá-los depois no voo extasiado que terminava na torre do Palazzo Vecchio.»
Augusto Abelaira, A Cidade das Flores, 1959
«Voo para um novo tempo». «Revejo aquele 30 de Novembro de 2001 como uma espécie de retrato a sépia posto em cima da cómoda da memória, as horas atribuladas, a ide de comboio para Lisboa, depois de táxi para o aeroporto.»
Dora Nunes Gago, Palavras Nómadas, Vila Nova de Famalicão, Húmus, 2023.
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PARTIR!,,,
«Súbito, uma revoada de vozes escapou-se em surdina do âmago da igreja e derramou pelo claustros o clamor inquietante duma dolência arrastada.»
Manuel Ribeiro, A Catedral, 1920
«O automóvel roda apressado, galgando covas, trepidando, queixando-se da aspereza do caminho.»
Adelino Mendes, «A cidade d'Albert», A Capital, Lisboa, 29-III-1917
TRISTÍSSIMA CANÇÃO
«É um pobre -- é um pobre de pedir --, é um fantasma.»
Raul Brandão, O Pobre de Pedir, póst., 1931
«À beira da estrada, as duas filas de altas e esbeltas árvores, martirizadas pelo frio, parecem sentinelas que não se fatigam nunca, guardando e vigiando este pedaço de terra francesa...»
Adelino Mendes, «A cidade d'Albert», A Capital, Lisboa, 29-III-1917
«A obra em si mesmo é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.»
Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, 1881
CANTAM AO LONGE
Cantam ao longe. Anoitece.
Faz frio pensar na vida;
E a Natureza parece
Dizer, em voz comovida,
Que o Homem não a merece.
Carlos Queirós (1907-1949),
Desaparecido (1935)
O certo é que, esta manhã, ao fazer a minha habitual visita à loja da Bertrand do Allegro de Sintra, dei com este novo romance de Miguel Real (aliás, apetitoso). E não é que uma das primeiras páginas é ocupada com este poema do nosso ilustre confrade do C.L.M.F.C., Manuel Nunes, sendo encimada com a nota: "O mais belo poema sobre Jesus escrito em Portugal em 2023".
Muito justo destaque. Mais do que um privilégio, é um orgulho para mim partilhar aquele cenáculo com Manuel de Matos Nunes!
«Ele pertencia à família dos Milhanos de Marinhais, sempre famosos no Ribatejo como arrozeiros sabidos e safos de mândria.»
Alves Redol, Gaibéus, 1939
«E era o único grito que quebrava o silêncio, também volátil, das velhas árvores em êxtase.»
Ferreira de Castro, Emigrantes, 1928
«A água vinha de longe por uma caleira de pedra, e era sua uma toada tão leda e inquebrantável, que parecia mesmo a pulsação do silêncio.»
Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa, 1918
POEMA DO CÃO AO ENTARDECER
Um cão no areal corria presto.
RECREIO
Na claridade da manhã primaveril,
Ao lado da brancura lavada da escola,
As crianças confraternizam com a alegria das aves...
A mão doce do vento afaga-lhes os cabelos,
E o sol abre-lhes rosas nas faces saudáveis
-- Um sol discreto que se esconde às vezes entre nuvens brancas...
As meninas dançam de roda e cantam
As suas cantigas simples, de sentido obscuro e incerto,
Acompanhadas de gestos senhoris e graves.
Os rapazes correm sem tino e travam lutas,
Gritam entusiasmados o amor espontâneo à vida,
A vida que vai chegando despercebida e breve...
E a jovem mestra olha todos enlevadamente,
Com um sorriso misterioso nos lábios tristes...
Alberto de Serpa (Porto, 1906-1992),
in José Régio, Poesia de Ontem e de Hoje para o Nosso Povo Ler (1956)
NASCIMENTO
A minha égua lazã
Teve uma linda cria,
Nascida antemanhã,
Mal, ao de leve, despontava o dia...
Cá fora,
Na placidez da hora enregelada e fria,
Silenciosa e deserta
A terra dormitava.
E pela porta aberta
Da velha estrebaria,
Um hálito de vida se escapava
E, como fumo, manso se perdia.
Sombras de uma lanterna fraca
Dançavam, ágeis, na parede escura.
E brandamente,
Naquela luz opaca,
Tudo envolvia uma doçura quente.
Sobre a palha doirada,
Enquanto o sol aos poucos
Ia surgindo à porta,
A mãe jazia, agora descansada.
E a dois passos, imóvel e estirada,
A cria parecia ter nascido
Pra logo ficar morta,
O corpo já doído
Do trabalho da vida começada.
Venho assomar-me à porta,
A contemplar o meu amigo dia.
E o campo, todo branco de geada,
Brilha até onde a minha vista alcança...
E, infantilidade,
Ou despropositada poesia,
O nascimento, a hora, a luz do dia,
Dão-me um fecundo amanhecer de esperança.
Francisco Bugalho (Porto, 1905 - Castelo de Vide, 1949)
presença #51, Coimbra, Março de 1938,
OCEÂNIAS
Ondas do mar me deitaram
sobre o calor das areias
que ao meu corpo se moldaram
pra aquecer as minhas veias.
E aquele corpo de escrava
dando-me força a vencia
pelo gozo que me dava
para o gozo que sofria.
A noite vinha a descer
e subia a maré-cheia...
Eu já tinha o meu poder:
fugi à praia, deixei-a.
Foi assim que regressei
das conquistas do mar bravo,
e ergui palácios de rei
sobre refúgios de escravo.
Branquinho da Fonseca (Mortágua, 1905 - Malveira da Serra, Cascais,1974),
in presença #7, Coimbra, 8-XI-1927
HORICLOR
Caem das gargantas negras
as plumas
com que Horiclor se
enfeita e se perfuma.
O tempo ondula a sua face
lisa
em que pousam os pássaros
anónimos.
Ele lava os presságios e
o motor da aurora
e desafia o vazio com um
arco-íris de nomes.
A partitura do vento, dos
eclipses e distâncias
é um jogo em suas mãos de
embriagado aeronauta.
Quando o silêncio da
terra é absoluto
desenha ovelhas ou apenas
uma árvore.
Outras vezes faz tremular
uma bandeira de miséria
e sonho. Ele sabe onde se
esconde a flor que nasce
do sexo das sereias e
conhece a eloquência das magnólias.
Às vezes deseja que sopre
um vento desesperado e se apaguem as estrelas
e um túmulo se abra com
uma onda no meio.
O seu pensamento é inundado
por rios subterrâneos
e as suas palavras brotam
de uma pequena lâmpada situada no horizonte.
Então o vento abre os
olhos e as torres incendeiam-se.
ANTÓNIO RAMOS ROSA – Nomes de Ninguém (1997)
A vida foi inteira nesse segundo dia
quando a tarde veio em âmbar
sobre os corpos e as paredes,
a amortecer o tempo,
a distrair a morte.
Tu foste planura e estuário
e os pássaros buscaram abrigo
no halo azul dos teus gestos.
O teu corpo foi mapa de arquipélagos
e nele dispus medos e abismos,
noites, naufrágios.
O cansaço foi cálido como o barro
de que deus te fez no segundo dia,
depois de separar águas e céus.
JOSÉ RUI TEIXEIRA - Aware (2024)
AMOR
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amor o amor de amar não
sabem,
como não amam se de amor não pensam
os que de amar o amor de amar não
gozam.
Amor, amor, nenhum amor, nenhum
em vez do sempre amar que o gesto
prende
o olhar ao corpo que perpassa amante
e não será de amor se outro não for
que novamente passe como amor que é
novo.
Não se ama o que se tem nem se deseja
o que não temos nesse amor que amamos,
mas só amamos quando amamos o acto
em que de amor o amor de amar se
cumpre.
Amor, amor, nem antes, nem depois,
amor que não possui, amor que não se
dá,
amor que dura apenas sem palavras
tudo
o que no sexo é o sexo só por si
amado.
Amor de amor de amar de amor
tranquilamente
o oleoso repetir das carnes que se
roçam
até ao instante em que paradas tremem
de ansioso terminar o amor que
recomeça.
Amor, amor, amor, como não amam
os que de amar o amor de amar o amor
não amam.
JORGE DE SENA - Peregrinatio ad loca infecta (1969)
OS QUE SE AMAM
Os que se amam nem sempre estão juntos.
Sabemos
que é assim. Os passos que dão seguem um
caminho
ignorado para quem os surpreenda a noite
ou o límpido nevoeiro de um pressentimento
que neles existe. Às vezes, falamos
acerca de Romeu
porque nos esquecemos de Julieta, mas
sempre ambos existiram
nas suas sombras que eram afinal só uma.
As mãos
ficaram estendidas e o ar tornou-se mais
leve
para o respirarem dentro de uma flor.
Não podia ser
de maneira diferente. Mas perguntamos
agora se é o mesmo túmulo
que os deixa separados. O tempo passa e
depois chega
o esquecimento. «Meu amor», e são estas
as duas palavras
que foram pronunciadas. Qualquer nuvem
sobre uma casa em ruínas
fica maior. É aí que Eva espera por
Adão, Heloísa por Abelardo, Charlotte
por Werther. Elas entreabrem os seus
olhos para dizer
«o que murmuraste?» Havemos de escutar
estas palavras
tão simples como a água ao correr entre
os dedos, único
anel que lhes foi dado para sempre. E a
mesma pergunta
é a nós que se dirige, até se
compreender que somos
o outro, alguém que aparece para trazer
consigo
uma esperança possível, esta ternura que
foi mantida
em segredo e também um pouco de ciúme:
não passamos
nós tantas noites com Charlotte, Eva,
Julieta ou Heloísa
como se fôssemos tocados por um sereno
desgosto
ao despertar agora no jardim que há numa
página
que se desfolha? À sua volta o amor
deixou espalhadas
estas manchas de fecundidade, o leve
sémen que principia a descer e é capas
de decifrar
o segredo de um encontro esperado há
muito. Assim é o corpo
de todos aqueles que amam. A morte
veste-os.
FERNANDO GUIMARÃES - Junto à Pedra (2018)
RAPARIGA DAS TRANÇAS
Rapariga
bonita
bem sei o que esperas
e as esperanças
que pões
nos laços das tranças
Bem sei porque ris
sem se ver porquê
nem para quem nem para quê
Bem sei porque enfuna
a tua saia transparente
e porque se solta
a música e o mar
do balouçar
das tuas tranças
Andando danças
andando danças
andando danças
E pensar rapariga nas ciladas
que te estão há tanto tempo preparadas
na vida sem vida
que te hão-de querer
Não és tu quem faz contas
por trás da janela
nem tu que te julgas
um livro de cheques
(ainda não
ainda não)
Ah as saias pesadas para a terra
e os braços
sem vigor
Ah o rosto cortado de cansaços
Ah o enjoo dessa palavra amor
Ah o sono logo em cima do jantar
e a bicha do carvão a bicha do carvão
a bicha do carvão
Rapariga
bonita
de fita encarnada
hão-de algemar-te
os lábios
os seios
a música e o mar
de braços atados
Oh rapariga
de fita amarela
dá-te ao minuto
o sol é bom
salta a janela
que nunca mais este minuto voltará
Rapariga bonita
que andando danças
rapariga bonita
bonita bonita
de laços nas tranças
MÁRIO DIONÍSIO – As Solicitações e Emboscadas (1945)
OUTRA CANTIGA
O querer e não querer
são bocas da mesma fome.
Mas há pão que é de comer
e outro só o nojo o come.
Cravos de chaga sangrando
não alimentam ninguém.
Até onde e até quando
só o que é mal será bem?
Sofre, coração desfeito.
Coração desfeito, espera.
Tudo o que existe perfeito
em imperfeições se gera.
Armindo Rodrigues (Lisboa, 1904-1993)
Deixo aqui o poema de António Gedeão (1906-1997) lido
na última sessão do clube: “Carta aberta”, desse livrinho cuja capa se apresenta
na foto. Edição do autor, comprei-o em 67 ou 68 na Livraria Sá da Costa, de
Lisboa. Ainda há restos da etiqueta da livraria e apresenta, escrito a lápis, o
preço fabuloso de 25 escudos.
O poema – uma “arte poética”, isto é,
conjunto de prescrições para o fazer poético – foi concebido em oitavas de
verso livre com rima. A primeira oitava de esquema ABABCDCD e a segunda ABBACDDC. Sendo hoje domingo, não fica mal falar-se destas coisas... E, como parece recomendar um nosso colega nos seus comentários, sede felizes, felizes... com a poesia 😉
CARTA ABERTA
Um homem progride, blindado e hirsuto
como um porco-espinho.
É o poeta no seu reduto
abrindo caminho.
Abrindo caminho com passos serenos
e clava na mão,
que as noites são grandes e os dias
pequenos
nesta criação.
Esmagando as boninas, os cravos e os
lírios,
cortando as carótidas às aves
canoras.
Chegaram as horas
de acender os círios,
de velar as ninfas no estreito
caixão,
de enterrar as frases e as vozes incautas,
de oferecer a Lua para os astronautas
e as rosas fragantes à destilação.
TARDE DE INVERNO
Sobre o planalto adormecido
Num frio leito de inverno,
Agasalhado de brumas,
Um Sol terno,
Distraído...
De longe, a montanha sombria
Exala uma aragem fria.
Cheira a serra,
A terra,
Morta...
Mas com seu odor mais forte,
Ao apelo do vento norte
Responde
A minha melancolia...
Numa colina humilhada
De chuva, de ventanias,
Crucificado num céu dorido,
Surge um pastor como um vencido.
Em fila, atrás,
Vem o rebanho humílimo balindo;
Traz nos olhos a paz,
A paz grave da serra;
E entre os dorsos compactos, de lã fina,
Paira a sombra primeira aventurosa,
O alvoroço da noite misteriosa,
O pranto da neblina!...
Fausto José (Aldeia de Cima, Armamar, 1903-1975),
presença #18, Coimbra, 1928
ARTE POÉTICA
A poesia do abstracto...
Talvez.
Mas um pouco de calor,
A exaltação de cada momento
É melhor.
Quando sopra o vento
Há um corpo na lufada;
Quando o fogo alteou
A primeira fogueira,
Apagando-se fica alguma coisa queimada.
É melhor...
Uma ideia
Só como sangue de problema;
No mais, não,
Não me interessa.
Uma ideia
Vale como promessa
E prometer é arquear
A grande flecha.
O flanco das coisas só sangrando me comove,
E uma pergunta é dolorida
Quando abre brecha.
Abstracto!
O abstracto é sempre redução,
Secura;
Perde --
E diante de mim o mar que se levanta é verde:
Molha e amplia...
Por isso, não:
Nem o abstracto nem o concreto
São propriamente poesia.
A poesia é outra coisa.
Poesia e abstracto, não.
Vitorino Nemésio (Praia da Vitória, 1901 - Lisboa, 1978)
O Bicho Harmonioso (1938)
MEU MENINO, INO, INO
1
Dos versos que exprimem,
Estou cansado!
Das palavras que explicam,
Estou cansado!
Ai, embala-me, fútil, e frágil, no ó-ó dos teus versos,
Ai, encosta-me ao peito...!
Mais não quero que ser embalado.
2
O menino está doente...
-- Diz a mãe.
Qui-é qui-é
Que o menino tem?
Ai...!
Diz o pai.
A criada velha chora pelos cantos
E reza a todos os santos...
Afirma o senhor doutor
Que amanhã que está melhor.
O pai suspira:
-- Quem sabe lá?!
E o menino diz:
-- Papá...!
A mãe chora:
-- Quem já me dera amanhã...!
E o menino diz:
-- Mamã...!
E, com a febre, rezinga,
E choraminga,
Olhando a lua amarela
Como uma vela:
-- Quero aquela péla...!
Mas o Pai do Céu sorri:
-- Vem cá vê-la!
É para ti.
3
-- Acabaste?
-- Meu amor, acabei.
-- Apagaste a candeia? apagaste?
-- Meu amor, apaguei.
- E fechaste o postigo? e fechaste?
- Meu amor..., sim, fechei.
-- Que rumor é aquele? não sentes?
-- Meu amor, que te importa?
É a vida a dar socos na porta.
É lá fora. São eles. É o mundo. São gentes.
-- São gentes? Quem são?
-- São colegas, amigos, parentes...
-- Vai dizer-lhes que não! Vai dizer-lhes que não!
José Régio (Vila do Conde, 1901-1969)
As Encruzilhadas de Deus (1936)
À ESPERA DOS BÁRBAROS
O que esperamos nós em multidão no Forum?
Os Bárbaros, que chegam hoje.
Dentro do Senado, porque tanta inacção?
Se não estão legislando, que fazem lá dentro os senadores?
É que os Bárbaros chegam hoje.
Que leis haveriam de fazer agora os senadores?
Os Bárbaros, quando vierem, ditarão as leis.
Porque é que o Imperador se levantou de manhã cedo?
E às portas da cidade está sentado,
no seu trono, com toda a pompa, de coroa na cabeça?
Porque os Bárbaros chegam hoje.
E o Imperador está à espera do seu Chefe
para recebê-lo. E até já preparou
um discurso de boas-vindas, em que pôs,
dirigidos a ele, toda a casta de títulos.
E porque saíram os dois Cônsules, e os Pretores,
hoje, de toga vermelha, as suas togas bordadas?
E porque levavam braceletes, e tantas ametistas,
e os dedos cheios de anéis de esmeraldas magníficas?
E porque levavam hoje os preciosos bastões,
com pegas de prata e as pontas de ouro em filigrana?
Porque os Bárbaros chegam hoje,
e coisas dessas maravilham os Bárbaros.
E porque não vieram hoje aqui, como é costume, os oradores
para discursar, para dizer o que eles sabem dizer?
Porque os Bárbaros é hoje que aparecem,
e aborrecem-se com eloquências e retóricas.
Porque, sùbitamente, começa um mal-estar,
e esta confusão? Como os rostos se tornaram sérios!
E porque se esvaziam tão depressa as ruas e as praças,
e todos voltam para casa tão apreensivos?
Porque a noite caiu e os Bárbaros não vieram.
E umas pessoas que chegaram da fronteira
dizem que não há lá sinal de Bárbaros.
E agora, que vai ser de nós sem os Bárbaros?
Essa gente era uma espécie de solução.
Konstantínos Kaváfis (Alexandria, 1863-1933)
versão de Jorge de Sena (1919-1978), in Constantino Cavafy, 90 e Mais Quatro Poemas
daqui - https://lsoares.blogs.sapo.pt/c-p-cavafy-a-espera-dos-barbaros-1162386
Apresentação amanhã, às 16 horas, no Museu do Neo-Realismo, em VFX.
Na p. 36, referindo a genealogia de Ferreira de Castro, admite-se que o escritor de Ossela seja descendente de um filho bastardo de D. Dinis, D. Afonso Sanches, poeta trovador, do qual se encontra em
https://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=784&pv=sim
esta curiosa, ainda que incompleta, cantiga de escárnio e maldizer. Leia-se com a nota junta
esclarecedora do texto.
CANTIGA DE AFONSO SANCHES
Afonso´Afonses, batiçar queredes
vosso criad´e cura nom havedes
que chamem clérig; en´esto fazedes,
aquant´eu cuido, mui maao recado;
ca sem clérigo, como haveredes,
Afonso’Afonses, nunca batiçado?
Nota:
Só esta estrofe chegou até nós de uma cantiga em que D. Afonso
Sanches satiriza um tal Afonso Afonses, a propósito do batismo de um seu
criado. Tudo indica, no entanto, que a cantiga se basearia num equívoco sobre
quem é que nunca teria sido batizado - e que seria o próprio Afonso Afonses,
pelo que se depreende do v. 6.