QUASE
Um pouco mais de sol -- eu era brasa.
Um pouco mais de azul -- eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído
Num baixo mar enganador de espuma;
E o grande sonho despertado em bruma,
O grande sonho -- ó dor! -- quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama,
Quase o princípio e o fim -- quase a expansão...
Mas na minh'alma tudo se derrama...
Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo... e tudo errou...
-- Ai a dor de ser-quase, dor sem fim... --
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim,
Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei...
Templo aonde nunca pus um altar...
Rios que perdi sem os levar ao mar...
Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol -- vejo-as cerradas;
E mãos de herói, sem fé, acobardadas,
Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto,
Tudo encetei e nada possuí...
Hoje, de mim, só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi...
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Um pouco mais de sol -- e fora brasa,
Um pouco mais de azul -- e fora além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa...
Se ao menos eu permanecesse aquém...
Mário de Sá-Carneiro (Lisboa, 1890 - Paris, 1916),
Dispersão (1914)
Este é dos que a minha memória reconhece de imediato.
ResponderEliminarA estrofe inicial popularizou-se, no melhor sentido do termo. Uma espécie de "As armas e barões assinalados", 'Os Lusíadas' do avesso
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