A ESCADA DA VIDA
Encontrou-se a CaridadeCom o Orgulho, certo dia:
Subia o Orgulho uma escada,
E a Caridade descia.
Ela humilde, ele arrogante,
No patamar dessa escada
Os dois, cruzando-se, viram
Uma rosinha pisada.
Emproado, o Orgulho, vendo-a,
Deu-lhe nova pisadela;
De joelhos, a Caridade
Deitou-se aos beijos a ela.
Mas nobres passos se ouviram
De som divino e tremendo:
O Orgulho seguiu subindo,
E a Caridade descendo...
E a voz de Deus, entretanto,
Disse, bramindo e sorrindo,
-- «Tu, que sobes, vais descendo!»
-- «Tu, que desces, vais subindo!»
Subia o Orgulho uma escada,
E a Caridade descia.
Ela humilde, ele arrogante,
No patamar dessa escada
Os dois, cruzando-se, viram
Uma rosinha pisada.
Emproado, o Orgulho, vendo-a,
Deu-lhe nova pisadela;
De joelhos, a Caridade
Deitou-se aos beijos a ela.
Mas nobres passos se ouviram
De som divino e tremendo:
O Orgulho seguiu subindo,
E a Caridade descendo...
E a voz de Deus, entretanto,
Disse, bramindo e sorrindo,
-- «Tu, que sobes, vais descendo!»
-- «Tu, que desces, vais subindo!»
Eugénio de Castro (Coimbra, 1869-1944)
in José Régio, Poesia de Ontem e de Hoje para o Nosso Povo Ler (1956)
Este é daqueles poemas pedagógicos que merecem honras de exposição pública em azulejo de parede. E está tão bem construído.
ResponderEliminarLembra um poema do séc. XVII.
EliminarPelo que apurei no blogue "Largo dos Correios" do Antonio Martinó, foi Hermano Saraiva (futuro ministro) que convidou José Régio para organizar a antologia a que este poema pertence. Tratava-se de obra a sair no quadro das publicações do Ministério da Educação. Não é de estranhar a inclusão de Afonso Lopes Vieira e António Correia de Oliveira (que o regime apreciava, independentemente do valor que lhes possa ser atribuído, não discuto isso), nem sequer, em força, a dos homens da "presença" [Francisco Bugalho, Fausto José, Alberto de Serpa, Saul Dias, Adolfo Casais Monteiro (este bastante desacreditado junto das esferas do regime) e do próprio Régio (por imposição superior)]. Pessoa está lá, julgo com um poema de "Mensagem". Parece que Mário de Sá-Carneiro, o modernista mais querido de Régio, não foi incluído, e isso, sim, será de estranhar. Julgo saber que numa das páginas há uma ou umas frases de Salazar... O Ricardo poderá confirmar.
ResponderEliminarNão tenho ideia se foi o Saraiva quem convidou, tenho ideia de ele se referir a esta colecção, aliás bem esgalhada.
EliminarNão me parece que o Régio incluísse lá o Vieira e o Oliveira por frete, mas estranho a ausência do Sá-Carneiro -- tem alguma explicação. Do Pessoa, está «O Mostrengo» Também lá está o João de Barros, desafecto ao regime. Das redondezas da 'presença' constam ainda o Torga e o Pedro Homem de Melo, além do velho Afonso Duarte. Estranho também a ausência do Nemésio.
O Régio é lá incluído como «Nossa Senhora», com uma longa nota de páginas e meia, que começa assim: "O autor desta colectânea -- José Régio é um dos maiores poetas da lírica portuguesa.» E pode bem ser da lavra do José Hermano Saraiva, que era, em sentido lato, um excelente escritor.
E sim. o livro contém uma epígrafe do Salazar a abrir. A Ana Hatherly organizou o volume correspondente à poesia contemporânea.
EliminarObrigado, Ricardo. Trata-se de antologia publicada no quadro da Campanha Nacional de Educação de Adultos e do Plano de Educação Popular, acções em curso nos anos 50. A epígrafe de Salazar (que Régio não escolheu, mas teve naturalmente de aceitar), indicia a motivação política, nomeadamente a de inculcar valores ideológicos próprios do regime. Não conheço o trabalho, falo por referências de terceiros, mas vou tentar ver isso em Vila do Conde.
EliminarEu podia tê-la transcrito; faço-o logo, em casa.
EliminarQuanto ao simbolista Eugénio de Castro, é pena não ser mais conhecido. Poeta meticuloso da palavra rara: "Oaristos"
ResponderEliminarBoas observações. Confirmo esse espírito nas antologias escolares Mar Alto no Ciclo foi uma delas. Espirito nacionalista em A L Vieira, AC Oliveira. Bom comentârio quanto aos presencistas. O mesmo qto a E Castro.
ResponderEliminarEste é dos que já li e reli várias vezes, e aplaudo sempre.
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