13 de janeiro de 2024

101 poemas portugueses - #17


A ESCADA DA VIDA

Encontrou-se a Caridade
Com o Orgulho, certo dia:
Subia o Orgulho uma escada,
E a Caridade descia.

Ela humilde, ele arrogante,
No patamar dessa escada
Os dois, cruzando-se, viram
Uma rosinha pisada.

Emproado, o Orgulho, vendo-a,
Deu-lhe nova pisadela;
De joelhos, a Caridade
Deitou-se aos beijos a ela.

Mas nobres passos se ouviram
De som divino e tremendo:
O Orgulho seguiu subindo,
E a Caridade descendo...

E a voz de Deus, entretanto,
Disse, bramindo e sorrindo,
-- «Tu, que sobes, vais descendo!»
-- «Tu, que desces, vais subindo!»


Eugénio de Castro (Coimbra, 1869-1944)
in José Régio, Poesia de Ontem e de Hoje para o Nosso Povo Ler (1956)

10 comentários:

  1. Este é daqueles poemas pedagógicos que merecem honras de exposição pública em azulejo de parede. E está tão bem construído.

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  2. Pelo que apurei no blogue "Largo dos Correios" do Antonio Martinó, foi Hermano Saraiva (futuro ministro) que convidou José Régio para organizar a antologia a que este poema pertence. Tratava-se de obra a sair no quadro das publicações do Ministério da Educação. Não é de estranhar a inclusão de Afonso Lopes Vieira e António Correia de Oliveira (que o regime apreciava, independentemente do valor que lhes possa ser atribuído, não discuto isso), nem sequer, em força, a dos homens da "presença" [Francisco Bugalho, Fausto José, Alberto de Serpa, Saul Dias, Adolfo Casais Monteiro (este bastante desacreditado junto das esferas do regime) e do próprio Régio (por imposição superior)]. Pessoa está lá, julgo com um poema de "Mensagem". Parece que Mário de Sá-Carneiro, o modernista mais querido de Régio, não foi incluído, e isso, sim, será de estranhar. Julgo saber que numa das páginas há uma ou umas frases de Salazar... O Ricardo poderá confirmar.

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    1. Não tenho ideia se foi o Saraiva quem convidou, tenho ideia de ele se referir a esta colecção, aliás bem esgalhada.
      Não me parece que o Régio incluísse lá o Vieira e o Oliveira por frete, mas estranho a ausência do Sá-Carneiro -- tem alguma explicação. Do Pessoa, está «O Mostrengo» Também lá está o João de Barros, desafecto ao regime. Das redondezas da 'presença' constam ainda o Torga e o Pedro Homem de Melo, além do velho Afonso Duarte. Estranho também a ausência do Nemésio.
      O Régio é lá incluído como «Nossa Senhora», com uma longa nota de páginas e meia, que começa assim: "O autor desta colectânea -- José Régio é um dos maiores poetas da lírica portuguesa.» E pode bem ser da lavra do José Hermano Saraiva, que era, em sentido lato, um excelente escritor.

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    2. E sim. o livro contém uma epígrafe do Salazar a abrir. A Ana Hatherly organizou o volume correspondente à poesia contemporânea.

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    3. Obrigado, Ricardo. Trata-se de antologia publicada no quadro da Campanha Nacional de Educação de Adultos e do Plano de Educação Popular, acções em curso nos anos 50. A epígrafe de Salazar (que Régio não escolheu, mas teve naturalmente de aceitar), indicia a motivação política, nomeadamente a de inculcar valores ideológicos próprios do regime. Não conheço o trabalho, falo por referências de terceiros, mas vou tentar ver isso em Vila do Conde.

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    4. Eu podia tê-la transcrito; faço-o logo, em casa.

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  3. Quanto ao simbolista Eugénio de Castro, é pena não ser mais conhecido. Poeta meticuloso da palavra rara: "Oaristos"

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  4. Boas observações. Confirmo esse espírito nas antologias escolares Mar Alto no Ciclo foi uma delas. Espirito nacionalista em A L Vieira, AC Oliveira. Bom comentârio quanto aos presencistas. O mesmo qto a E Castro.

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  5. Este é dos que já li e reli várias vezes, e aplaudo sempre.

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