19 de janeiro de 2024

101 poemas portugueses - #18.


INCÊNDIO


Daqui, desta falésia cor de lava,
Dum amarelo rútilo e sangrento,
Outrora debruçava-se um convento
Sobre a maré tumultuosa e brava...

E, à noite, quando no clamor do vento,
Ao largo, o temporal se anunciava,
E a voz das águas, soluçante e cava,
Punha um trovão nas furnas, agoirento,

Logo, piedosamente, cada monge
Suspendia uma lâmpada à janela,
E tangia a sineta para o coro...

E, no mar alto, o navegante, ao longe,
Via um farol luzir em cada cela,
E cada rocha a arder, em sangue e ouro...


Cândido Guerreiro (Alte, Loulé, 1871 - Lisboa, 1953),
Promontório Sacro (1929) 

9 comentários:

  1. Só posso gostar: pela mensagem, pelo desenvolvimento, pela lisura.

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    1. É um poema visualmente muito expressivo, para além da sua qualidade narrativa.

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  2. Conheci este poeta no verão passado, pela mão de uma amiga de Messines que me levou a Alte. Esta, uma das aldeias mais portuguesas de Portugal, só suplantada por Monsanto naquele célebre concurso de 1938 organizado pelo Secretariado de Propaganda Nacional. Num parque de Alte, aliás agradável, estão reproduzidos em lápides e muros vários sonetos deste poeta da terra, bacharel de Coimbra. Não me entusiasma nem deixa de entusiasmar. Respeito sempre quem, sem cálculo ou interesse, amou a poesia,

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    1. Ora bem, o respeito é uma bonita coisa.
      E já agora, aproveito para relembrar que esta minha escolha é de poemas, não de poetas.

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  3. "Neste país em diminutivo/respeitinho é que é preciso" - Alexandre O' Neill.

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  4. Eu gosto e considero um bom poema. Expressivo, claro e iluminado em todos os sentidos. Boa escolha.

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    1. Felicito-me por ter gostado, meu caro. o gosto individual gosta sempre de companhia.

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  5. Também eu, que me contento com olhar e sentir, gosto deste poema. É daqueles que fazem viajar (ou observar), pensando na etimologia da palavra Lirismo.

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