ELEGIA PARA UMA GAIVOTA
Morreu no Mar a gaivota mais esbelta,
a que morava mais alto e trespassava
de claridade as nuvens mais escuras com
os olhos.
Flutuam quietas, sobre as águas, suas
asas.
Água salgada, benta de tantas mortes
angustiosas, aspergiu-a.
E três pás de ar pesado para sempre as
viagens lhe vedaram.
Eis que deixou de ser sonho apenas
sonhado.
–
: É finalmente sonho puro,
sonho que sonha finalmente, asa que
dorme voos.
Cantos dos pescadores, embalai-a!
Versos dos poetas, embalai-a!
Brisas, peixes, marés, rumores das
velas, embalai-a!
Há na manhã um gosto vago e doce de
elegia,
tão misteriosamente, tão
insistentemente,
sua presença morta em tudo se anuncia.
Ela vai, sereninha e muito branca.
E a sua morte simples e suavíssima
é a ordem-do-dia na praia e no mar alto.
SEBASTIÃO DA GAMA, Campo Aberto (1951)
Belo. Não poderia ter sido escrito por muitos mais, para além dele.
ResponderEliminarEu consigo fazer melhor.
ResponderEliminarhttps://youtu.be/Fq8kGeXQ-P4?feature=shared
ResponderEliminarSim senhor: gosto.
ResponderEliminarBelo ❤️
ResponderEliminarGosto muito de Sebastião de Gama. Em Outubro li "Serra-Mãe". Partilho um dos poemas que mais gostei:
PASMO
Nessas noites de morna calmaria
em que o Mar se não mexe e o Arvoredo
não murmura, pedindo o Sol mais cedo,
que o resguarde da fria Ventania;
em que a Lua boceja, se embacia,
e as palavras estagnam, no ar quedo,
noites podres - até chego a ter medo
de me volver também Monotonia.
E então sinto vontade de atirar
meu corpo bruto e nu contra o espanto
da Noite, a ver se o quebro e vibro, enfim;
cair no lago morto e acordar
os cisnes que adormecem de quebranto ...
Mas só caio, afinal, dentro de mim.
Sebastião da Gama em "Serra-Mãe"
Edições Ática, Abril de 1996
Página 55