13 de outubro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (9)

 

ELEGIA PARA UMA GAIVOTA

 

Morreu no Mar a gaivota mais esbelta,

a que morava mais alto e trespassava

de claridade as nuvens mais escuras com os olhos.

 

Flutuam quietas, sobre as águas, suas asas.

Água salgada, benta de tantas mortes angustiosas, aspergiu-a.

E três pás de ar pesado para sempre as viagens lhe vedaram.

 

Eis que deixou de ser sonho apenas sonhado.

 – : É finalmente sonho puro,

sonho que sonha finalmente, asa que dorme voos.

 

Cantos dos pescadores, embalai-a!

Versos dos poetas, embalai-a!

Brisas, peixes, marés, rumores das velas, embalai-a!

 

Há na manhã um gosto vago e doce de elegia,

tão misteriosamente, tão insistentemente,

sua presença morta em tudo se anuncia.

 

Ela vai, sereninha e muito branca.

E a sua morte simples e suavíssima

é a ordem-do-dia na praia e no mar alto.

 

SEBASTIÃO DA GAMA, Campo Aberto (1951)


5 comentários:

  1. Belo. Não poderia ter sido escrito por muitos mais, para além dele.

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  2. Eu consigo fazer melhor.

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  3. https://youtu.be/Fq8kGeXQ-P4?feature=shared

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  4. Belo ❤️
    Gosto muito de Sebastião de Gama. Em Outubro li "Serra-Mãe". Partilho um dos poemas que mais gostei:

    PASMO

    Nessas noites de morna calmaria
    em que o Mar se não mexe e o Arvoredo
    não murmura, pedindo o Sol mais cedo,
    que o resguarde da fria Ventania;

    em que a Lua boceja, se embacia,
    e as palavras estagnam, no ar quedo,
    noites podres - até chego a ter medo
    de me volver também Monotonia.

    E então sinto vontade de atirar
    meu corpo bruto e nu contra o espanto
    da Noite, a ver se o quebro e vibro, enfim;

    cair no lago morto e acordar
    os cisnes que adormecem de quebranto ...

    Mas só caio, afinal, dentro de mim.

    Sebastião da Gama em "Serra-Mãe"
    Edições Ática, Abril de 1996
    Página 55

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