10 de outubro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (6)


SALOMÉ

 

Insónia roxa. A luz a virgular-se em medo,

Luz morta de luar, mais Alma do que a lua…

Ela dança, ela range. A carne, álcool de nua,

Alastra-se pra mim num espasmo de segredo…

 

Tudo é capricho ao seu redor, em sombras fátuas…

O aroma endoideceu, upou-se em cor, quebrou…

Tenho frio… Alabastro!... A minh´Alma parou…

E o seu corpo resvala a projectar estátuas…

 

Ela chama-me em Íris. Nimba-se a perder-me,

Golfa-me os seios nus, ecoa-me em quebranto…

Timbres, elmos, punhais… A doida quer morrer-me:

 

Mordura-se a chorar – há sexos no seu pranto…

Ergo-me em som, oscilo, e parto, e vou arder-me

Na boca imperial que humanizou um Santo…

 

MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO, Orpheu, nº 1, Janeiro-Fevereiro-Março de 1915 

5 comentários:

  1. Para mim, o Sá-Carneiro é mesmo na poesia, Cesário + Nobre potenciados em século XX...

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  2. Nunca tinha pensado em tal. Este poema, vejo-o mais como um despojo do simbolismo no curso estrénuo do modernismo. Mas que sei eu? Pode ser tudo isso e o seu contrário.

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  3. Em quase todas as palavras do poeta. Plagio, eu, “tantas vezes, vil”.

    Salomé

    Longe, o boémio projetado
    Espasma de carne e de rua...
    Alma-estátua, assombrado,
    Não dança, nem range, insinua!

    Exclama-se ponto, lua cheia,
    Num céu de capricho aluado,
    O boémio alastra a teia
    Que me traz presa em todo o lado.

    Resvala, insone, no tempo gasto,
    Apodrece o corpo que não possui...
    Segredo de cera e alabastro!

    Fogo-fátuo de luz quebrado,
    Fingindo paixão, o boémio flui
    Em mim e morre decapitado.

    10/10/2023

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  4. Publiquem os vossos poemas. Muito mais interessante do que copiar inteiramente os dos outros. Se gostarem, ótimo. Se não gostarem, ótimo.
    Fernanda Costa

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    Respostas
    1. Óptimo ou ótimo, that is the question.

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