25 de outubro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (18)

 

CALAI

 

Calai os versos abstractos

E a mansidão dos olhos que têm os bois pacatos.

 

Calai tanto, tanto espírito na terra,

E a cristianíssima paz que nos faz guerra.

 

Calai, promessas de anjo, o céu sublime,

Quando as mãos, cheias de oiro, trazem máscaras de crime.

 

Calai loas de amor às crianças maltrapilhas

Que esses farrapos de alma não lhes cobrem as virilhas.

 

Calai as lágrimas à beira dos enfermos:

Prefiro a solidão que é soluço nos ermos.

 

Calai, palhinhas de Jesus, que sois o ai de quem ama:

Paz na terra e no céu: ao cristão, ao judeu, e à gentílica moirama.

 

Calai-vos, bêbedos aos bordos nas estradas:

Para matar tristezas, Nossa Senhor das Dores com suas sete espadas.

 

AFONSO DUARTE, Ossadas (1947)

5 comentários:

  1. É curioso, vinha a pensar nele -- sumido na voragem do tempo.

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    1. O poeta de Ereira (Montemor-o-Velho) que ´viveu` várias gerações de Coimbra. É personagem de ficção em "A Velha Casa", de Régio (3º volume do ciclo, se bem me lembro) e em "Fogo na Noite Escura", de Namora.

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    2. Também consta da minha antologia.

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  2. Fumo

    Longe de ti são ermos os caminhos,
    Longe de ti não há luar nem rosas,
    Longe de ti há noites silenciosas,
    Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

    Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
    Perdidos pelas noites invernosas...
    Abertos, sonham mãos carinhosas,
    Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

    Os dias são outonos: choram... choram...
    Há crisântemos roxos que descoram...
    Há murmúrios dolentes de segredos...

    Invoco o nosso sonho! Estendo os braaaaços!
    E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
    Fumo leve que foge entre os meus dedos!...

    Florbela Espanca
    Livro de Soror Saudade

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  3. Mais uma vez, bem haja pela escolha. Lendo antologias assim, ainda me transformam a gostar de poesia.

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