3 de outubro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (1)

 

EPITÁFIO PARA UM POETA

 

As asas não lhe cabem no caixão!

A farpela de luto não condiz

Com seu ar grave, mas, enfim, feliz;

A gravata e o calçado também não.

Ponham-no fora e dispam-lhe a farpela!

Descalcem-lhe os sapatos de verniz!

Não vêem que ele, nu, faz mais figura,

Como uma pedra, ou uma estrela?

Pois atirem-no assim à terra dura,

Ser-lhe-á conforto:

Deixem-no respirar ao menos morto!

 

JOSÉ RÉGIO, Filho do Homem (1961)

6 comentários:

  1. Grande começo -- alvíssaras!...
    Eu vou esperar pela sessão de sexta, e vai ser uma coisa diferente (mas poderia ser igual!)

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  2. Diria que se nota aqui o sentido dramático da poesia do Régio, não sei se concorda.

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    Respostas
    1. Talvez a excepcionalidade do poeta, acometida pela insolência da vulgaridade: «Deixem-no respirar ao menos morto!»

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    2. Sim, um tópico muito regiano, e presencista também.

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  3. Adoro a vacuidade intelectual muito patente num hospital ou na morgue, cheia de rótulos no dedo grande do pé.
    O Lobo Antunes, no alto da sua caneta de ouro, em meio hospitalar, reconheceu que não há nada mais humilhante do que o derrame dos nossos fluídos perante desconhecidos. Vivamos a vida com insolência positiva e não tenhamos medo de dar a nossa opinião fora da cassete social com medinho de não sermos aceites.

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