21.
como uma pedra no silêncio
como um chicote na moleza
o pensamento preciso sem cerimónia
dá um passo
o ponteiro do relógio com ferrugem
embota as hélices frementes
mas na cilada dos divãs crescente
o pastor de macaco pensa que
não basta cruzar os braços
não basta cruzar os braços
esperar a lua entre nuvens
enquanto a paisagem se derrama
não basta pensar um dia
roldanas prontas nos guindastes
rolam pesados cabos de aço
é preciso criar os dias
é preciso criar o sentido dos dias
MÁRIO DIONÍSIO, O Riso Dissonante (1950)
Para mim, o melhor MD é o velho.
ResponderEliminarOlá, bom dia! Penso então que se estará a referir ao "Terceira Idade", de 1982, não ao velhinho "Poemas" do NOVO CANCIONEIRO. Na autobiografia (edição de "O Jornal") diz: « ... se "Poemas" e, já menos, "As Solicitações e Emboscadas" devem muito como clima imagético aos espanhóis, "O Riso Dissonante" a Éluard e Aragon, sobretudo a Tzara (...), na "Memória dum pintor desconhecido" e em "Terceira Idade" é dum regresso a Camões e a Pessoa que espontaneamente se trata»
EliminarViva, caro. É exactamente a esse que me refiro, ao Terceira Idade, para além deste só li o primeiro, na versão original do Novo Cancioneiro. Aquele, incomparável, quanto a mim.
EliminarA linguagem da primavera
EliminarQualquer criança sabe o que diz a primavera:
Vive, cresce, floresce, ama, confia
Alegra-te e segue os teus novos impulsos
Entrega-te e não temas a vida!
Qualquer ancião sabe o que diz a primavera:
Deixa-te disso, velho, entra para a cova,
Cede o teu espaço aos rapazes viçosos
Entrega-te e não temas a morte!
Hermann Hesse
(in Elogio da Velhice)
On!
ResponderEliminarDeduzo que não fui claro, pelo que esclareço: não escrevi em inglês; limitei-me a reproduzir um som; poderia ter sido «un» ou «an»... ou ficar calado (omisso).
EliminarOff.
ResponderEliminarQueixa das almas jovens censuradas
ResponderEliminarDão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola
Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade
Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência
Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro
Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós
Dão-nos um bolo que é a história
da nossa história sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo
Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro
Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco
Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura
Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante
Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino
Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte.
Natália Correia