24 de outubro de 2023

POEMAS IMORTAIS - UMA SELECÇÃO POSSÍVEL - I

 O MENINO DE SUA MÃE


No plaino abandonado

Que a morna brisa aquece,

De balas trespassado

- Duas, de lado a lado -,

Jaz morto, e arrefece.


Raia-lhe a farda o sangue.

De braços estendidos,

Alvo, louro, exangue,

Fita com olhar langue

E cego os céus perdidos.


Tão jovem! Que jovem era!

(Agora que idade tem?)

Filho único, a mãe lhe dera

Um nome e o mantivera:

«O menino da sua mãe.»


Caiu-lhe da algibeira

A cigarreira breve.

Dera-lha a mãe. Estava inteira

E boa a cigarreira.

Ele é que já não serve.


De outra algibeira, alada

Ponta a roçar o solo, 

A brancura embainhada

De um lenço... Deu-lho a criada

Velha que o trouxe ao colo.


Lá longe, em casa, há a prece:

«Que volte cedo, e bem!»

(Malhas que o Império tece!)

Jaz morto, e apodrece,

O menino da sua mãe.


Fernando Pessoa


(F. Faria)

5 comentários:

  1. Ler isto: https://modernismo.pt/index.php/m/661-menino-de-sua-mae

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    1. Excelente reflexão.
      Qualquer exímio poeta habita a dobra, esse espaço de escrita que fixa temporariamente o movimento entre interior e exterior, presente e passado, criando um real não-real cheio de possibilidades e significados. Tão difícil de conseguir.

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    2. Obrigado, Manuel Nunes. Sábio e profundo comentário.

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  2. Este é dos que ficará por séculos, se a humanidade não evoluir para pior do que espero.

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