17 de outubro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (10)

 

CARTA ABERTA

 

Um homem progride, blindado e hirsuto

como um porco-espinho.

É o poeta no seu reduto

abrindo caminho.

Abrindo caminho com passos serenos

e clava na mão,

que as noites são grandes e os dias pequenos

nesta criação.

 

Esmagando as boninas, os cravos e os lírios,

cortando as carótidas às aves canoras.

Chegaram as horas

de acender os círios,

de velar as ninfas no estreito caixão,

de enterrar as frases e as vozes incautas,

de oferecer a Lua para os astronautas

e as rosas fragantes à destilação.

 

ANTÓNIO GEDEÃO, Linhas de Força (1967)


5 comentários:

  1. O grande Gedeão, que também consta da minha lista, não por ser o grande Gedeão, pois há outros grandes que também lá não estão. Poeta que tem sido menorizado pelos parapoetisos & outra animalaria sortida, humedecidos, provavelmente em adílias e outras gabrielas. Ler o Gedeão hoje é cada vez mais refrescante e higiénico.

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    1. Grande, sim. Poema sacado de um livrinho comprado em 68 ou 69, edição do autor, agora já de folhas um bocado amarelecidas... São desta obra poemas como: "Poema do coração", "Lição sobre a água", "Poema do fecho éclair", "Poema da bunganvília", "Catedral de Burgos",

      «A catedral de Burgos tem trinta metros de altura
      «e as pupilas dos meus olhos dois milímetros de abertura.

      «Olha a catedral de Burgos com trinta metros de altura!»

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    2. De quem é o olhar
      que espreita por meus olhos?

      Fernando Pessoa

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  2. Homem

    Inútil definir este animal aflito.
    Nem palavras,
    nem cinzéis,
    nem acordes,
    nem pincéis
    são gargantas deste grito.
    Universo em expansão.
    Pincelada de zarcão
    desde mais infinito a menos infinito.

    António Gedeão

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