11 de novembro de 2023

101 poemas portugueses - #7


Que assim sai a manhã, serena e bela?
Como vem no horizonte o sol raiando!
Já se vão os outeiros divisando,
já no céu se não vê nenhuma estrela.

Como se ouve na rústica janela
do pátrio ninho o rouxinol cantando!
Já lá vai para o monte o gado andando,
já começa o barqueiro a içar a vela.

A pastora acolá, por ver o amante,
com o cântaro vai à fonte fria;
cá vem saindo alegre o caminhante;

Só eu não vejo o rosto da alegria:
que enquanto de outro sol morar distante,
não há-de para mim nascer o dia.

João Xavier de Matos (c. 1730/35 - Vila de Frades, 1789)
in M. Rodrigues Lapa, Poetas do Século XVIII (1967)

4 comentários:

  1. É um belo soneto. Bem desenhado no espaço físico que comtempla toda a cultura literária adquirida : o rouxinol, a estrela, o monte, o gado; e, no espaço psicológico bem delineado do segundo terceto com destaque para a"chave de ouro": "não há-de para mim nascer o dia".Tem obvias ressonâncias camonianas.

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    1. Muito boa análise, meu caro, que obviamente enriquece a nossa leitura.

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    1. Caro, se me permite: o maior erro na leitura de poesia é, quanto a mim, fazê-lo como quem lê um texto não literário em prosa -- como se se tratasse de um relatório ou manual de instruções -- ou literatura débil, à Rodrigues dos Santos e coisas assim. Ler poesia, exige, na minha modesta opinião, disponibilidade e liberdade mentais, tentar ir ao encontro do autor e não estar à espera que ele nos sirva a papa toda. Tal como sucede com a boa pintura e a boa música; até que em arte, primeiro é essencial sentir, depois tentar perceber, o que nem sempre sucede, ou sucede incompletamente. Muito do que por aí passa por 'poesia' ou 'literatura', de facto não o é. Mas não se pense com isto que defendo a obscuridade gratuita, que tantas vezes encobre razoáveis fraudes.

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