O AMOR EM VISITA
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de
sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma
mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a
gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e
triste
da boca. Seus ombros beijarei.
Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite
e uma ave
o atravessar traspassada por um grito
marítimo
e o pão for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus
olhos palpitantes.
Ele – imagem inacessível e casta de um
certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com
água.
Em cada mulher existe uma morte
silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob nossos
dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o
sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do corpo
faminto.
– Ó cabra no vento e na urze, mulher nua
sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde
o sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.
(…)
HERBERTO HELDER, A Colher na Boca (1961)
Entre outras coisas, O HHelder tinha o estro de quem gosta de mulheres e das mulheres.
ResponderEliminarComo este não há outro na nossa poesia do século XX. A força de Vida é avassaladora, triunfo de Eros em toda a linha. Poema composto de 223 versos, só publico os 28 das primeiras 3 estrofes. No cartapácio de "Poesia Toda" é referido, em nota final, que os 43 versos iniciais foram publicados, em Maio de 1957, no suplemento "Ágora" da revista "Voz do Tejo" (Almada); enquanto os 36 finais saíram, em Abril de 1958, nos "Cadernos do Meio-Dia", de Faro. Há portanto uma tradição de publicações parciais do poema. Fico mais descansado.
EliminarÉ um facto, não há outro. No meu caso, não é um dos meus poetas, o que não retira nem acrescenta nada.
ResponderEliminarNão estava a imaginar H.H. tão fogoso, mesmo como poeta! ;)
ResponderEliminarAh, Herberto Helder ❤️
ResponderEliminarEmbora consiga destacar os meus livros favoritos ("A Colher na Boca", "Húmus", "Dedicatória", "Última Ciência) e, mesmo fora deles, agrupe uma série de poemas aos quais irei regressar, nada bate "A Colher na Boca": n' "A Morte Sem Mestre" o poeta escreve
"e eu que me esqueci de cultivar: família, inocência, delicadeza,
vou morrer como um cão deitado à fossa!"
E isso comove-me, sem me entristecer; pode ser verdade que o tenha sentido assim, que não tenha cultivado a delicadeza e/ou que a tenha perdido (concordemos ou não)... mas ela existiu na sua escrita e "A Colher na Boca" é um testemunho de tudo isso.
Eu também... mas não consigo escrever assim. J. A. Marcos Serra
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