7 de novembro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (31)

 

nada os meus olhos deixarão na cinza

das vastas folhas envidraçadas: nem

o astrológico número das horas

autorizadas pela autoridade e a sua penumbra.

a «penumbra da autoridade» vem vestida

de muitos horizontes com, aqui ou além, um barco

de velas estilhaçadas, ou a capa de um livro

de viagens na vitrina.

então o amor mistura-se com as coisas breves,

os pássaros, o rumor dos alicates na gaveta branca.

foi esta a sua história? esta canção pertence-lhe?

a «greve» alourou-lhe as sobrancelhas? estes olhos

têm o plástico ao contrário. e o ruído

das torneiras no balde, mesmo

à beira do precipício,

é um inconveniente que convém manter

sob vigilância.

 

ANTÓNIO FRANCO ALEXANDRE, Os Objectos Principais (1979)


2 comentários:

  1. Há poetas de que gosto, como é o caso do AFA, que não obstante me é difícil extrair um poema, provavelmente pela unidade que os livros dele apresentam -- pelo menos os que tenho, creio que dois: «Aracne» e «uma Fábula».

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    1. Tenho lido pouco de António Franco Alexandre e longe de mim a pretensão de apresentar este poema como representativo de uma obra, digamos, como um texto de antologia. Os poemas que aqui vou pondo são apenas quadros isolados de leituras que tenho feito. Nalguns casos, apenas a prova de que sei da existência do poeta.

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