21 de novembro de 2023

POESIA EM LÍNGUA PORTUGUESA, século XX (46)


MEDITAÇÃO DO DUQUE DE GANDIA SOBRE A MORTE DE ISABEL DE PORTUGAL

 

Nunca mais

A tua face será pura limpa e viva

Nem o teu andar como onda fugitiva

Se poderá nos passos do tempo tecer.

E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

 

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

A luz da tarde mostra-me os destroços

Do teu ser. Em breve a podridão

Beberá os teus olhos e os teus ossos

Tomando a tua mão na sua mão.

 

Nunca mais amarei quem não possa viver

Sempre,

Porque eu amei como se fossem eternos

A glória, a luz e o brilho do teu ser,

Amei-te em verdade e transparência

E nem sequer me resta a tua ausência,

És um rosto de nojo e negação

E eu fecho os olhos para não te ver.

 

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

Nunca mais te darei o tempo puro

Que em dias demorados eu teci

Pois o tempo já não regressa a ti

E assim eu não regresso e não procuro

O deus que sem esperança te pedi.

 

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, Mar Novo (1958)


6 comentários:

  1. Gosto da Sophia, além disso também a tenho na minha lista. Foi excluída dum certo cânone que uma editora pretensiosa e uns acólitos se arrogaram estabelecer. Meteram água, como era inevitável.
    Só falta um...

    ResponderEliminar
  2. Que belo o poema. Que emocionante a declamação! Um luxo de post.

    ResponderEliminar
  3. Isabel de Portugal (Lisboa, 1503 - Toledo, 1539), filha do nosso rei D. Manuel I e esposa do imperador Carlos V.
    «Eloquente exemplo de elegia fúnebre» e «um dos mais altos momentos no exigentíssimo percurso de Sophia de Mello Breyner Andresen» - diz Fernando J. B. Martinho em prefácio a edição recente da obra (Assírio Alvim, 2013).
    Sim, com data de amanhã vou publicar o último da série: "O Portugal futuro", de Ruy Belo. Depois dos heterónimos pessoanos, fecho com uma quádrupla chave de ouro (Eugénio, Herberto, Sophia, Belo).

    ResponderEliminar
  4. Gosto muito de Sophia. Quase a chegar Dezembro e com ele, Dual 😊

    ResponderEliminar
  5. Deuses? No mundo? Só servirão para arrependimento. J. A. Marcos Serra

    ResponderEliminar